sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Absurdo da Vida sem Deus (Parte 3)



O propósito da vida


Por último, vejamos o problema do propósito na vida. As únicas duas maneiras pelas quais a maioria das pessoas que negam o propósito da vida podem viver feliz é inventando um propósito, o que equivale ao auto-engano como vimos em Sartre, ou não levando sua posição às conclusões lógicas. Observe o problema da morte como exemplo. De acordo com Ernst Bloch, a única maneira pela qual o homem moderno pode viver em face da morte é valendo-se inconscientemente da crença na imortalidade que seus antepassados tinham, mesmo sem ter ele mesmo base para essa crença, já que não crê em Deus. Bloch constata que a crença de que a vida termina em nada dificilmente é, em suas palavras, “suficiente para manter a cabeça erguida e trabalhar como se não houvesse fim”. Ao se valer dos resquícios de uma crença na imortalidade, escreve Bloch, “o homem moderno não sente o abismo que o cerca por todos os lados e com certeza acabará por tragá-lo. Com esses resquícios, ele salva seu senso de identidade própria. Por meio deles surge a impressão de que o ser humano não está perecendo, mas apenas um dia o mundo terá o capricho de não mais se mostrar a ele”. Bloch conclui: “Essa coragem bastante superficial saca de um cartâo de crédito emprestado. Ela vive de esperanças anteriores e da sustentação que elas antigamente proporcionavam”[13]. O homem moderno não tem mais o direito a tal sustentação, já que rejeita a Deus. Mas, a fim de viver com propósito, dá um salto de fé para afirmar uma razão para a vida.



Encontramos freqüentemente a mesma incoerência entre aqueles que dizem que o ser humano e o universo vieram a existir sem qualquer razão ou propósito, apenas por acaso. Incapazes de viver em um universo impessoal em que tudo é produto do acaso cego, essas pessoas começam a atribuir personalidade e motivos aos próprios processos físicos. Essa é uma maneira bizarra de falar e representa um salto do andar de baixo para o de cima. Por exemplo, os brilhantes físicos russos Zeldovich e Novikov, ao contemplar as propriedades do universo, perguntam por que a “natureza” decidiu criar esse tipo de universo e não outro. “Natureza” obviamente se tornou um tipo de substituto de Deus, preenchendo o papel e a função de Deus. Francis Crick, no meio do seu livro The origin of the genetic code, começa a escrever “natureza” com N maiúsculo, e em outras passagens diz que a seleção natural é “inteligente” e que “pensa” no que fará. Fred Hoyle, astrônomo inglês, atribui ao próprio universo as qualidades de Deus. Para Carl Sagan, o “cosmos”, que ele sempre escreve com C maiúsculo, obviamente tem o papel de um substituto de Deus. Apesar de todos esses homens professarem não crer em Deus, eles contrabandeiam um substituto de Deus pela porta dos fundos, porque não suportam viver em um universo em que tudo é resultado do acaso de forças impessoais.

E é interessante ver muitos pensadores traírem suas posições quando são empurrados em direção às suas conclusões lógicas. Por exemplo, certas feministas levantaram uma tempestade de protestos contra a psicologia freudiana porque é machista e degradante para as mulheres. Então alguns psicólogos abaixaram a cabeça e revisaram suas teorias. Acontece que isso é totalmente incoerente. Se a psicologia freudiana é realmente verdadeira, não importa se ela degrada as mulheres. Você não pode mudar a verdade porque não gosta de suas conclusões. Contudo, as pessoas não conseguem viver coerentes e felizes em um mundo onde outras pessoas são desvalorizadas. Se Deus, porém, não existe, ninguém tem valor. Somente se Deus existe alguém pode com coerência apoiar os direitos das mulheres. Pois se Deus não existe, a seleção natural dita que quem é dominante e agressivo na espécie é o macho. As mulheres não poderiam ter mais direitos do que uma cabra ou uma galinha. Na natureza, tudo o que existe está certo. Mas quem consegue conviver com essa postura? Ao que parece, nem mesmo os psicólogos freudianos, que traem suas teorias quando levados às suas conclusões lógicas.

Observe, também, o behaviorismo sociológico de alguém como B. F. Skinner. Essa posição leva ao tipo de sociedade imaginada em 1984, de George Orwell, em que o governo controla e programa os pensamentos de todo mundo. Se é possível fazer o cão de Pavlov salivar quando soa uma campainha, pode-se fazer o mesmo com um ser humano. Se as teorias de Skinner estão certas, não pode haver objeção para tratar as pessoas como os ratos na caixa de Skinner, que correm pelos labirintos atraídos por comida e impelidos por choques elétricos. De acordo com Skinner, todas as nossas noções são predeterminadas. E se Deus não existe, não se podem levantar objeções morais contra esse tipo de programação, pois o ser humano não é qualitativamente diferente de um rato, já que ambos são apenas matéria mais tempo mais acaso. Mas repito: quem consegue conviver com uma postura tão desumanizadora?

Ou, por fim, pense no determinismo biológico de alguém como Francis Crick. Sua conclusão lógica é que o ser humano é igual a qualquer outro espécime de laboratório. O mundo ficou horrorizado quando soube que em campos como Dachau os nazistas tinham usado prisioneiros para experimentos médicos em seres humanos. E por que não? Se Deus não existe, não pode haver objeções ao uso de pessoas como cobaias humanas. Um memorial em Dachau traz a inscrição Nie wieder - “nunca mais” – mas esse tipo de coisa continua acontecendo. Há alguns anos foi revelado que, nos Estados Unidos, várias pessoas haviam recebido de pesquisadores médicos drogas esterilizadoras, sem o conhecimento delas. Não temos nós de protestar que isso está errado – que o ser humano é mais que uma máquina eletroquímica? O fim dessa posição é o controle populacional em que os fracos e indesejados são eliminados para abrir espaço para os fortes. No entanto, a única base para podermos protestar com coerência é a existência de Deus. Somente se Deus existe pode haver propósito na vida.

Portanto, o dilema do homem moderno é realmente terrível. Enquanto se negarem a existência de Deus e a objetividade de valor e propósito, esse dilema continuará insolúvel também para o homem “pós-moderno”. Na verdade, é exatamente a consciência de que o modernismo conduz inevitavelmente ao absurdo e ao desespero que constitui a angústia da pós-modernidade. Em alguns sentidos, a pósmodernidade nada mais é que a percepção da falência da modernidade. A cosmovisão ateísta é insuficiente para proporcionar uma vida feliz e coerente. O ser humano não pode viver de modo coerente e feliz como se a vida no fim das contas não tivesse sentido, valor ou propósito. Se tentarmos viver de modo coerente dentro da cosmovisão ateísta, acabaremos profundamente infelizes. Se, porém, conseguirmos viver felizes, será apenas contradizendo nossa cosmovisão.

Confrontado com esse dilema, o ser humano procura pateticamente alguma escapatória. Num discurso marcante à Academia Americana para Desenvolvimento da Ciência, em 1991, o Dr. L. D. Rue, confrontado com o predicamento do homem moderno, defendeu corajosamente que enganemos a nós mesmos com alguma “Mentira Nobre” para que pensemos que nós e o universo ainda temos valor[14]. Ao afirmar que “a lição dos últimos dois séculos é que o intelectualismo e o relativismo moral são o problema”, o Dr. Rue especula que a conseqüência dessa constatação é que a busca da integralidade (ou realização) pessoal e a busca da coerência social se tornam independentes uma da outra. Isso é assim porque, em vista do relativismo, a busca da realização pessoal fica radicalmente individualizada: cada pessoa escolhe seu próprio conjunto de valores e significado. “Não existe uma explicação definitiva e objetiva do mundo ou da pessoa. Não existe um vocabulário universal para integrar cosmologia e moralidade.” Se quisermos evitar a “alternativa do hospício”, em que a realização pessoal é buscada à custa da coerência social, e a “alternativa totalitária”, em que a coerência social é imposta à custa da integralidade pessoal, não temos outra escolha senão adotar alguma Mentira Nobre que nos inspire a viver além dos interesses egoístas, para chegar à coerência social. Mentira Nobre “é aquela que nos engana, nos ilude, nos impele além do interesse próprio, além do ego, além de família, nação [e] raça”. E uma mentira porque nos diz que o universo é dotado de valor (o que é uma grande ficção), porque alega ser uma verdade universal (o que não existe) e porque me diz que não devo viver para os meus interesses (o que é obviamente falso). “Sem essas mentiras, no entanto, não conseguimos viver.”

Esse é o terrível veredicto pronunciado sobre o homem moderno. A fim de sobreviver, ele tem de viver enganando a si mesmo. Contudo, mesmo a alternativa da Mentira Nobre, no fim das contas, não funciona, porque, se o que eu disse até aqui está correto, a crença na Mentira Nobre seria necessária não apenas para atingir coerência social e integralidade pessoal para as massas, mas também para alcançar a própria integralidade pessoal. Isso porque ninguém pode viver de modo feliz e coerente com uma cosmovisão ateísta. A fim de sermos felizes, temos de crer em sentido, valor e propósito objetivos. Entretanto, como se pode crer nessas Mentiras Nobres e ao mesmo tempo crer em ateísmo e relativismo? Quanto mais convencido se estiver da necessidade de uma Mentira Nobre, menos se será capaz de crer nela. Como um placebo, uma Mentira Nobre funciona apenas para aqueles que acreditam que ela é a verdade. Uma vez que desmascaremos a ficção, a Mentira perde seu poder sobre nós. Assim, por ironia, a Mentira Nobre não pode solucionar o predicamento humano em todos aqueles que compreenderam esse predicamento.

A alternativa da Mentira Nobre, portanto, na melhor das hipóteses conduz a uma sociedade em que um grupo elitista de illuminati engana as massas em proveito próprio, perpetuando a Mentira Nobre. Mas por que os que estamos iluminados deveríamos seguir as massas em sua ilusão? Por que haveríamos de sacrificar o interesse próprio por uma ficção? Se a grande lição dos últimos dois séculos é o relativismo moral e intelectual, por que fingir (se pudéssemos) que não sabemos essa verdade e, em lugar disso, viver uma mentira? Se alguém responder: “Por amor à coerência social”, podemos legitimamente perguntar por que deveria eu sacrificar meu interesse social por amor à coerência social? A única resposta que o relativista pode dar é que a coerência social é do meu interesse – mas o problema com essa resposta é que o interesse próprio e o interesse do rebanho nem sempre coincidem. Além disso, se (por interesse próprio) eu me importo com a coerência social, a alternativa totalitária sempre está aberta para mim: esquecer a Mentira Nobre e manter a coerência social (assim como a minha realização pessoal) à custa da integralidade pessoal das massas. Gerações de líderes soviéticos que enalteciam virtudes proletárias enquanto circulavam em limusines e jantavam caviar em suas dachas ou casas de campo acharam essa alternativa bastante interessante. Rue sem dúvida consideraria essa alternativa repugnante. Mas nisso é que está o problema. O dilema de Rue é que ele obviamente valoriza tanto a coerência social quanto a integralidade pessoal por amor a ambas; em outras palavras, elas são valores objetivos, o que, de acordo com a sua filosofia, não existe. Ele já saltou para o andar superior. A alternativa da Mentira Nobre, portanto, afirma o que nega e refuta a si mesma.

O sucesso do Cristianismo Bíblico

Entretanto, se o ateísmo fracassa nesse aspecto, o que dizer do cristianismo bíblico? De acordo com a cosmovisão cristã, Deus existe, e por isso a vida do ser humano não termina no túmulo. No corpo ressurreto, o ser humano pode gozar da vida eterna em comunhão com Deus. O cristianismo bíblico, portanto, proporciona ao ser humano as duas condições necessárias para uma vida com sentido, valor e propósito: Deus e a imortalidade. Por causa disso, podemos viver de modo coerente e feliz. Assim, o cristianismo bíblico é bem sucedido exatamente onde o ateísmo fracassa.

Conclusão


Agora quero deixar claro que ainda não demonstrei que o cristianismo bíblico é verdadeiro. O que fiz foi enunciar claramente as alternativas. Se Deus não existe, a vida é inútil. Se o Deus da Bíblia existe, a vida tem sentido. Somente a segunda dessas duas alternativas nos possibilita viver felizes e coerentes. Por isso, parece-me que, mesmo que as evidências para essas duas alternativas fossem exatamente iguais, uma pessoa racional haveria de escolher o cristianismo bíblico. Parece-me positivamente irracional preferir morte, ausência de sentido e destruição em lugar de vida, sentido e felicidade. Como disse Pascal, não temos nada a perder e ganhamos o infinito.

Extraído do livro “A Veracidade da Fé Cristã”, William Lane Craig, Editora Vida Nova. Compliado do blog Apologia.

Notas


   1. Kai NIELSEN, “Why should I be moral?”, em American Philosophical Quarterly 21 (1984): 90.

   2. Paul KURTZ, Forbidden fruit. Buffalo/NY, Prometheus, 1988, p. 73.

   3. Richard TAYLOR, Ethics, faith, and reason. Englewood Cliffs/NJ, Prentice Hall, 1985, p. 90. 84.

   4. H. G. WELLS, The time machine. Nova York, Berkeley, 1957, cap. 11.

   5. T S. ELIOT, “The hollow men”, em Collected poems 1909-1962. Nova York, Harcourt, Brace, Jovanovitch, Inc., 1934. Citado com permissão do editor.

   6. W. E. HOCKING, Types of philosophy. Nova York, Scribner’s, 1959, p. 27.

   7. Friedrich NIETZSCHE, “The gay science”, em The portable Nietzsche, ed. e trad. por W. Kaufmann. Nova York, Viking, 1954, p. 95.

   8. Friedrich NIETZCHE, “The will to power”, trad. por W. Kaufmann, em Existentialism from Dostoyevsky to Sartre, 2″ ed. com introdução de W. Kaufmann. Nova York, New American Library, Meridian, 1975, p. 130-131.

   9. Bertrand RUSSELL, “A free man’s worship”, em Why I am not a Christian, ed. por P Edwards. Nova York, Simon & Schuster, 1957, p. 107.

  10. Bertrand RUSSELL, carta ao Observer, 6 de outubro de 1957.

  11. Jean Paul SARTRE, “Portrait of the antisemite”, trad. por M. Guiggenheim, em Existentialism, p. 330.

  12. Richard WURMBRAND, Tortured for Christ. Londres, Hodder & Stoughton, 1967, p. 34. 13. Ernst BLOCH, Das Prinzip Hoffnung, 2ª ed., 2 vols. Frankfurt, Suhrkamp, 1959, 2:360361.

  13. Loyal D. RUE, “The saving grace of noble lies”, palestra para a American Academy for the Advancement of Science, em fevereiro de 1991.

Sobre o autor: Willian Lane Craig é doutor em filosofia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e em teologia da Universidade de Munique, e atualmente é professor-pesquisador de filosofia na Escola de Teologia Talbot. É membro de nove sociedades de profissionais, entre as quais a Academia Americana de Religião, a Sociedade de Literatura Bíblica e a Associação Filosófica Americana, e escreve artigos para New Testament Studies, Journal for the Study of the New Testament, Journal of the American Scientific Affiliation, Gospel Perspectives, Philosophy e outras publicações acadêmicas. Escreveu vários livros, entre eles A Veracidade da Fé Cristã e Filosofia e Cosmovisão Cristã (em co-autoria), ambos publicados pela Editora Vida Nova.

2 comentários :

  1. Não fez mt sentido o fato de vc escolher o cristianismo. Se vc sabe de tudo isso, como ainda consegue acreditar?

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