quarta-feira, 4 de maio de 2016

[TRADUÇÃO] Como nossa compreensão equivocada da "ciência" estraga tudo


Como nossa compreensão equivocada da Ciência estraga tudo

Pascal-Emmanuel Gobry, 19 de setembro de 2014

Quando todos usam uma palavra, mas ninguém é claro sobre o que a palavra realmente significa, isto é um sinal de que algo está muito errado com a nossa mente coletiva.

Uma dessas palavras é "ciência".

Todo mundo usa. "A ciência diz isso", "a ciência diz aquilo". "Você deve votar em mim porque a ciência (...)". "Você deve comprar este porque a ciência (...)". "Você deve odiar as pessoas de lá porque a ciência (...)".

Veja bem, a ciência é realmente importante. E, no entanto, quem entre nós pode facilmente fornecer uma definição clara da palavra "ciência", que coincida com a forma como as pessoas utilizam o termo na vida cotidiana?

Deixe-me explicar o que a ciência realmente é. A ciência é o processo pelo qual derivamos regras preditivas confiáveis ​​através da experimentação controlada. Essa é a ciência que nos dá aviões e vacinas contra a gripe e a Internet. Mas o que quase todo mundo quer dizer quando se diz "ciência" é algo diferente.

Para a maioria das pessoas, Ciência (com "c" maiúsculo) é a busca da Verdade (com "v" maiúsculo). É uma coisa praticada por pessoas vestindo jalecos e/ou fazendo cálculos elegantes que ninguém mais entende. A razão pela qual a Ciência com "c" maiúsculo nos dá aviões e vacinas contra a gripe não é porque é um processo incremental de engenharia, mas porque os cientistas são pessoas realmente inteligentes.

Em outras palavras - e este é o ponto chave - quando as pessoas dizem "ciência", o que eles realmente querem dizer é "mágica" ou "verdade".


Um pouco de história: o primeiro proto-cientista foi o intelectual grego Aristóteles, que escreveu muitos manuais de suas observações do mundo natural e que também foi a primeira pessoa a propor uma epistemologia sistemática, isto é, uma filosofia de o que é ciência e como se deve proceder a respeito dela. A definição de ciência de Aristóteles tornou-se famosa em sua tradução para o latim como: rerum cognoscere causas, ou, "o conhecimento das causas última das coisas". Por isso, em muitos livros Aristóteles é colocado como o Pai da Ciência.

O problema com isso é que não é absolutamente verdade. A "ciência" aristotélica foi um grande revés para toda a civilização humana. Para Aristóteles, a ciência começava com a investigação empírica e, em seguida, usava a especulação teórica para decidir pelo que as coisas são causadas.

O que nós conhecemos hoje como a "revolução científica" foi um repúdio a Aristóteles: a ciência, não mais como o conhecimento das causas última das coisas, mas como a produção de regras preditivas confiáveis ​​através da experimentação controlada.

Galileo refutou a "demonstração" de Aristóteles de que objetos mais pesados ​​devem cair mais rápido do que os leves, criando um experimento sutil e controlado (ao contrário da lenda, ele não simplesmente jogou dois objetos da Torre de Pisa). O que foi tão importante sobre este episódio de Galileu não foi que Galileu estava certo e Aristóteles errado; mas sim como Galileu refutou Aristóteles: através da experimentação.

Este método de fazer ciência foi então formalizado por um dos maiores pensadores da história, Francis Bacon. O que distingue a ciência moderna das outras formas de conhecimento, como a filosofia, é que ela abandona explicitamente o raciocínio abstrato sobre as causas últimas das coisas e, em vez disso, testa teorias empíricas através da investigação controlada. A ciência não é a busca da Verdade com "v" maiúsculo. É uma forma de "engenharia" - de julgamentos através do erro. O conhecimento científico não é conhecimento "de verdade", uma vez que é o conhecimento apenas sobre algumas proposições empíricas específicos - e que é sempre, pelo menos em teoria, sujeito a refutação por um experimento posterior. Muitas pessoas ficam surpresas ao ouvir isso, mas o fundador da ciência moderna o disse. Bacon, que teve uma carreira na política e foi um gestor experiente, realmente escreveu que os cientistas teriam de ser enganados a pensar que a ciência é uma busca da verdade, de modo a serem dedicados ao seu trabalho, mesmo que isso não seja verdade.

Porque é que toda esta história antiga é importante? Porque a ciência é importante, e se não sabemos o que a ciência realmente é, nós iremos cometer erros.

A grande maioria das pessoas, incluindo muitos dos formalmente educados, realmente não sabem o que a ciência é.

Se você perguntar à maioria das pessoas que a ciência é, eles vão te dar uma resposta que se parece muito com a "ciência" aristotélica - ou seja, o exato oposto do que a ciência moderna é realmente: Ciência com "c" maiusculo é a busca da Verdade com "v" maiúsculo. E a ciência é algo que não pode ser entendido por meros mortais. Ele oferece maravilhas. Tem altos sacerdotes. Tem uma ideologia que deve ser obedecida...

Isso nos leva ao engano. Já que a maioria das pessoas pensa que matemática e jalecos é igual a ciência, as pessoas chamam de ciência a Economia, embora quase nada em Economia é realmente derivado de experimentos controlados. Então, as pessoas ficam com raiva de economistas quando eles não preveem crises financeiras iminentes, como se ter um cargo titular numa universidade te dotasse com poderes mágicos. Incontáveis disciplinas acadêmicas ​​foram arruinadas pelos impulsos dos professores de fazerem-nas parecer "mais científicas", adotando as características superficiais da ciência baconiana (matemática, jargões impenetráveis, revistas revisadas por pares) sem a substância e esperando que isso irá produzir um melhor conhecimento.

Por as pessoas não entenderem que a ciência é construída sobre a experimentação, elas não entendem que estudos em áreas como a psicologia quase nunca provam qualquer coisa, já que somente a experiência replicada prova alguma coisa e, sendo os seres humanos muito diversificados, é muito difícil replicar qualquer experiência psicológica. É por isso que você encontra artigos com manchetes dizendo "Estudo comprova X" um dia e "Estudo comprova o oposto de X" no dia seguinte, cada um ilustrado com uma fotografia-estoque de alguém vestindo um jaleco. Isso faz um monte de gente pensar que a "ciência" não é tudo isso que dizem, uma vez que muitos estudos parecem se contradizer.

É por isto que você vê pessoas afirmando que a "ciência" decide sobre esta ou aquela decisão de política pública, embora com muito poucas excepções, quase nenhuma das opções de política que nós temos como comunidade política foram testadas através da experimentação (ou podem ser). As pessoas pensam que um estudo que usa magia estatística para mostrar correlações entre duas coisas é "científico" porque usa matemática de ensino médio e foi feito por alguém no prédio da Universidade, só que, corretamente falando, não é. Embora seja um fato que o aumento do dióxido de carbono na atmosfera leve, mantendo todo o resto invariante, a temperaturas atmosféricas mais elevadas, a ideia de que podemos prever o impacto do aquecimento global - e as políticas anti-aquecimento global! - até 100 anos a partir de agora, é pura loucura. Porém, porque é feito usando a matemática por pessoas com diploma, nos dizem que é "ciência", mesmo que, por definição, é impossível executar uma experiência em relação ao ano 2114.

É por isso que testemunhamos o fenômeno de neo-ateus[1] como Richard Dawkins e Jerry Coyne pensarem que a ciência tornou Deus irrelevante, mesmo que, por definição, a religião diz respeito às causas últimas das coisas e, mais uma vez, por definição, a ciência não pode falar sobre isso.


Você poderia pensar no apologista da ciência, culturalmente analfabeto [2], propagandista anti-católico mentiroso [3] e possível fabulista em série [4] Neil de Grasse Tyson (imagem acima) e na cartunesca militante anti-vacinas Jenny McCarthy [5] como pólos opostos em um espectro anti-ciência / pró-ciência, mas na realidade eles são os dois lados da mesma moeda. Ambos pensam que a ciência é uma espécie de "mágica", apenas um deles é relacionado à religião e o outro não.

O ponto não é que McCarthy não está errada sobre vacinas (ela está errada). A questão é que ela é nada mais que o resultado previsível de uma sociedade que se esqueceu de o que "ciência" significa. O fato de agruparmos tantas coisas diferentes na mesma categoria faz com que haja partes da "ciência" que não são ciência real, mas foram aglomeradas no entendimento da sociedade de o que é ciência. Isto se torna muito rentável para aqueles que se benefeciam um pouco do prestígio social que ronda a ciência, mas ao mesmo tempo significa que vivemos em um estado de confusão.

Isso também significa que por causa de todos esses choramingos sobre ciência, vivemos numa sociedade surpreendentemente não-científica e anti-científica. Temos muitas pessoas anti-ciência, mas a maioria dos nossos "pró-ciência" são na verdade pró-mágica (e, portanto, anti-ciência).

Este equívoco bizarro sobre a ciência leva ao paradoxo de que mesmo enquanto esperamos o impossível da ciência ("Por favor, Sr. Economista, perscruta sua bola de cristal e nos diga o que acontecerá se Obama aumentar ou cortar impostos"), temos também uma mentalidade muito anti-científica em várias áreas.

Por exemplo, a nossa abordagem sobre educação é positivamente obscurantista. Ninguém usa a experimentação rigorosa para determinar melhores métodos de ensino, e alguém que se atrevesse a fazê-lo seria encarado como estúpido. A primeira e mais importante cientista da educação, Maria Montessori, produziu um método de educação científica baseado em experimentos que tem sido largamente ignorado pela nossa sociedade supostamente amante da ciência. Temos departamentos de educação em universidades de grande prestígio, e absolutamente nenhuma ciência acontece em qualquer um deles.

A nossa abordagem às politicas públicas também é surpreendentemente pré-científica. Não tem havido quase nenhuma experiência de grande escala e verdadeiramente científica sobre políticas públicas desde os ensaios de campo randomizados da década de 1990, e ninguém parece perceber o quão bárbaro que é isso. Temos pessoas em Brookings [6] que podem editar planilhas e Ezra Klein [7] pode escrever sobre isso e dizer que isso comprova as coisas, temos toda a ciência que precisamos, muito obrigado. Mas isso não é ciência.

A ciência moderna é um dos inventos mais importantes da civilização humana. Mas a razão pela qual ela levou tanto tempo a ser inventada e a razão pela qual ainda não entendemos muito bem o que ela de fato é 500 anos mais tarde dificilmente são científicas. Não porque a ciência é "cara", mas porque ela requer uma humildade epistêmica fundamental. E a humildade é uma das coisas mais difíceis de espremer para fora dos animais bombásticos que somos.

Mas até que que encaremos a ciência como ela realmente é, que é ao mesmo tempo mais e menos do que mágica, ainda vamos estar com um pé na escuridão bárbara.

Notas de tradução

[1] A palavra original é "philistines", que é uma palavra que tem um sentido pejorativo nas línguas germânicas, relacionado a alguém que é considerado intelectual mas não tem a formação necessária para isso. Adaptei a palavra ao contexto, conforme o necessário.
[2] O autor justifica a acusação com outro artigo da mesma revista, entitulado "Porque Neil deGrasse Tyson é um ignorante" (um philistine). [Link]
[3] Veja a crítica à sua série de TV, Cosmos. [Link]
[4] [Link]
[5] Uma ex-modelo e atriz conhecida nos EUA por ter defendido a ideia de que vacinas causam autismo, apesar de não haver nenhuma evidência médica para o fato.
[6] Instituição norte-americana que faz pesquisas em ciências sociais.
[7] Blogueiro progressista estadunidense.

P.S. Desculpem a minha péssima tradução. Espero que eu melhore daqui pra frente.
Abraços, Paz de Cristo.

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