quarta-feira, 2 de março de 2011

Interpretação Literal do Gênesis? (parte 1)

[NOTA DO AUTOR, 02/02/2019: Oito anos após a publicação deste texto, anunciei aqui no blog que alguns dos meus posicionamentos científicos e teológicos mudaram. Por isso, este texto provavelmente não mais reflete minha opinião acerca do assunto.]

[NOTA DO AUTOR, 09/04/2019: Este texto foi revisado e comentado aqui.]

Esse é meu primeiro texto aqui, na verdade eu o redigi há vários meses, numa comunidade do orkut. Deixei ele guardado pois sabia que precisaria dele novamente. Hoje mesmo, respondendo a uma pergunta no Yahoo Respostas sobre o assunto, lembrei-me dele e senti vontade de compartilhá-lo com as pessoas.



Quero ressaltar que ele representa uma das visões possíveis do cristianismo sobre o assunto, não há uma visão absoluta, somos pessoas diferentes, pensamos diferente, mesmo assim essa diferença não nos faz cristãos melhores ou piores, essas questões são complementares e não fundamentais, a meu ver.



O texto defende com argumentos uma visão não literal do relato da criação no Livro do Gênesis. Não pretende ser uma explanação completa, apenas uma coleção de fatos que julgo serem interessantes. Está dividido em duas partes, para facilitar a leitura. Bem, vamos lá:






Interpretação Literal do Gênesis?

Uma das objeções mais frequentes à confiabilidade da Bíblia é a aparente discrepância entre a narrativa de Gênesis 1 e as supostas evidências minerais e fósseis que sugerem uma idade de bilhões de anos para a Terra. Vamos chegar à conclusão aqui que esse conflito é apenas aparente.

Se tivéssemos de interpretar Gn. 1 de maneira completamente literal (como pensam alguns teólogos ser a única maneira correta de interpretar a Bíblia, mas o livro que cito como fonte mostra inúmeros casos onde o método leva a contradições; não convém mencionar nisso agora porque não é sobre assunto que estou falando), não haveria possibilidade de conciliação entre o relato bíblico e os dados científicos. Mas a crença na inerrância bíblica não deve se apoiar na interpretação totalmente literal ou figurada, e sim no sentido que o autor bíblico (tanto humano quanto divino) tenha de fato atribuído às palavras usadas.

(Exemplos de quando o sentido da palavras bíblicas não pode ser literal: Mateus 19.24; João 2.21).

O verdadeiro propósito de Gênesis 1 seria ensinar que o mundo foi criado cerca de 144 horas antes de Adão nascer? Ou será essa uma inferência enganosa que não leva em conta outros dados bíblicos diretamente relacionados?

Gênesis 1.27 - Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou; macho e fêmea os criou.

O verso mostra que Eva foi "criada" juntamente com Adão, nas "horas finais" do sexto dia. Porém, ao examinarmos Gênesis 2.15-22, descobrimos que passou um intervalo de tempo considerável entre o surgimento de Adão e o surgimento de Eva. Deus deu a Adão a tarefa de nomear e classificar as espécies do jardim, assim como cuidar do mesmo. Isso deve ter demandado grande intervalo de tempo, até que Adão se sentisse só e vazio.

Comparando os dois textos torna óbvio que o sexto dia não foi um período de 24 horas. Assim, o propósito de Gênesis 1 não é dizer com que rapidez Deus realizou a sua obra, e sim revelar que o Senhor Deus (heb. YHWH 'Elohim) é o Autor de todas as coisas, ao contrário do que diziam as culturas não-hebraicas da época. O Livro de Gênesis é um manifesto contra os ensinamentos politeístas.

O segundo aspecto principal do capítulo 1 é ressaltar e a criação fora feita de forma organizada e sistemática. Os versos parecem referir-se apenas à criação do Planeta Terra e não de todo o Universo, como alguns pensam. A formação do planeta foi organizada em 6 fases, que são chamadas de dias (heb. "yom"). É importante verificar que os dias não estão acompanhados de artigo definido no texto original ("o primeiro dia", "o segundo dia" - está escrito "um primeiro dia", "um segundo dia"). Além disso, os numerais não estão na forma ordinal e sim na cardinal ("yom ehad", "yom senî" - dia um, dia dois, ao invés de dia primeiro, dia segundo). Esse recurso na língua hebraica não é usado em prosa, somente em textos poéticos. Assim, a linguagem usada refere-se a um padrão sequencial, não a períodos de tempo definidos e estritamente limitados.

Gn 1.1 Bereshit bara' 'Elohim hashamaim weha'arets. (Literalmente: no princípio criou (do nada) Deus os céus e a terra). Céus e terra referem se ao ambiente externo visto de dentro do nosso planeta, portanto o relato já começa falando do nosso planeta.

Gn 1.3 E disse Deus: Haja luz, e houve luz. - Como Gn1.1 referia-se ao ponto de vista da Terra, vejamos o verso 3 do mesmo ponto. A luz tornou-se visível da terra, que antes no versículo 2 era sem forma e vazia, provavelmente escura também devido a nuvens espessas de gases e poeira na atmosfera primitiva.

Avançando mais um pouco, os versos 9-13 relatam a terceira fase criadora, o ajuntamento das águas dos oceanos em uma altitude inferior à das massas de terra seca. Isso foi causado pelo resfriamento gradual do planeta, que permitiu a condensação de água, que provocou a pressão sísmica necessária para causar os movimentos tectônicos que deram origem às montanhas de hoje em dia. Uma vez aparecendo a terra seca, tornar-se-ia possível a vida vegetal terrestre, embora não ainda pois o Sol ainda não era visível da superfície da Terra.

Na quarta fase criadora, nos versos 14-19, as nuvens espessas se dissiparam possibilitando a visibilidade do Sol e dos astros. A tradução "Deus fez o Sol, a lua e os astros" é possivelmente incorreta. A forma usada "wayya'as" pode se referir tanto ao nosso pretérito simples (Deus fez) quanto ao pretérito mais-que-perfeito (Deus fizera, Deus tinha feito), dependendo do contexto. Pelo nosso contexto é obviamente ilógico o Sol e a Lua surgirem depois da Terra, então podemos entender sem ambiguidade a qual dos tempos esse verbo se refere. Somente na quarta fase criadora os astros celestes se tornaram visíveis, e é a partir deles que surgiu a nossa medida de tempo, e nossa unidade chamada "dia", de 24 horas. Não parece adequado usar uma unidade de tempo antes que ela pudesse ser concebida, isso é mais um motivo para desacreditar a forma de ver dias de 24 horas como os dias mencionados no texto.

Os versos 20-23 mostram o desenvolvimento da vida marinha e de água doce, em concordância com a ciência atual, antes do surgimento da vida terrestre. Há um fenômeno estudado por paleontólogos conhecido como "Explosão Cambriana", um surgimento repentino de camadas geológicas de fósseis na Era Paleozóica, sem nenhum correspondente em camadas pré-cambrianas.
Os versos 24-26 relatam a sexta e última fase do processo criador, os animais terrestres.

Um último comentário deve ser dado à expressão usada no texto: “E foi tarde e manhã o n-ésimo dia". A palavra hebraica "yom" pode se referir tanto a dia como o antônimo de noite, período do nascer ao pôr-do-sol, quanto ao dia completo de 24 horas. Como estamos levando em conta que a palavra dia foi uma unidade simbólica usada no texto para relatar a revelação, o motivo do uso da expressão parece ser mostrar ao leitor que a unidade simbólica era o dia de 24 horas, e não o dia período claro. Um dia de 24 horas serve como uma figura melhor para um ciclo completo, formado por fases do que um dia como período de luz, dia claro.

Um argumento usado por alguns é que a referência no 4º mandamento dado a Moisés para se guardar o 7º dia porque Deus descansou nele sugere que os dias foram de 24 horas. Hebreus 4.1-11 sugere de uma maneira mais clara que o "7º dia" durou desde o início da humanidade até o início da Igreja, depois de Jesus Cristo. A era depois da ascensão de Cristo é chamada por Paulo de "últimos dias", em suas cartas eclesiásticas.

Por fim, o último argumento está em Gn 2.4, cuja tradução mais correta consta na KJV (King James Version): "Essas são as gerações do céu e da terra quando foram criados, no dia (yom) que o Senhor Deus fez a terra e os céus". O capítulo anterior diz claramente que foram no mínimo 6 dias, enquanto esse verso diz que foi apenas um só. Considerar o sentido literal da palavra "dia" é entrar em contradição.

8 comentários :

  1. A algum tempo atrás conversei com alguns amigos judeus sobre a questão literal de genesis.Em várias passagens nos mostram que o "SÁBADO DE DESCANSO"não era necessariamente o sétimo dia da semana,tenho algumas referências no meu blog.Alguns chegaram ao ponto de dizer que no calendário lunar judaico todos os dias de descanso "yom shabat" caiam sempre no sétimo dia da semana,o que chega a ser um absurdo,pois todos nós sabemos que as fases lunares variam para mais ou para menos dias.A única forma de se tomar o sábado como sendo o dia de descanso literal seria tomar os dias de gênesis como literaiis de 24hs,mas caso fosse,como explicar um dia com mais de 24hs,ou melhor,que dura milênios,como o sétimo dia?Pois repare que no sétimo dia não se diz:"Houve tarde e manhã"pois isso acaba de vez com a argumentação de que as horas de gênesis são de acordo com os dias judaicos.

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  2. Em 1876, George Smith, do Museu Britânico, juntando estelas quebradas encontradas na biblioteca de Nínive (capital da Assíria), publicou o Gênesis Caldeu e demonstrou, além de qualquer dúvida, que a história bíblica da criação foi primeiro escrita na Mesopotâmia, milênios antes. Em 1902 L.W. King, também do Museu Britânico, em seu livro The seven tablets of creation ("As sete estelas da criação"), publicou um texto mais completo, que na antiga língua da Babilônia, requeria sete estelas, de tão longo e detalhado. Conhecidas como a Epopéia da criação, ou Enuma Elish, por suas palavras iniciais, as primeiras seis estelas descrevem a criação dos céus, da terra e de tudo sobre a terra, incluindo o homem, num paralelo dos "seis dias" da criação na Bíblia. A sétima estela foi devotada à exaltação da divindade suprema da babilônia, Marduk, que examinava seu magnífico trabalho (similar à narrativa bíblica do "sétimo dia", no qual Deus "descansou de todo o trabalho que fizera"). Estudiosos agora sabem que esses e outros "mitos" nas versões assíria e babilônica eram traduções de textos sumérios mais antigos (modificados para glorificar o deus supremo assírio, ou babilônio).

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    1. Ao contrário do que os ateus costumam alegar, esse texto tem caráter confirmátório. Aí se mostra mais de um povo contando a mesma história, o que AUMENTA a probabilidade de o relato da criação ser um fato e não uma invenção. Como povos de lugares e épocas diferentes contam quase a MESMA história sobre uma origem comum?

      Esta análise minha do assunto é muito breve, mas um amigo meu a tratou com mais detalhes em seu blog. Recomendo altamente a leitura:

      O Antigo Testamento originou-se de fontes pagãs?
      http://entreomalhoeabigorna.blogspot.com.br/2013/09/o-antigo-testamento-originou-se-de.html

      Abraços, Paz de Cristo.

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  3. Aqui está uma explicação sincera em vez de toda essa enrolação acima

    http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_V__2000__2/Mauro.pdf

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    1. Caro Nerd Up.

      Gostei do texto. Vou ler com calma depois. Estou familiarizado com o método histórico-gramatical hoje em dia, mas na época em que escrevi este texto (já faz mais de 5 anos) não era. Talvez fosse interessante eu reescrever meu texto, quando tiver tempo.

      Abraços, Paz de Cristo.

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  4. Curioso que o autor do texto refere-se a uma contradição entre Génesis e os mitológicos "milhões de anos", mas procede deturpando a Bíblia sem no entanto tocar ou refutar os milhões de anos.

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    1. Caro Lucas,

      o objetivo do texto é lidar com interpretação bíblica. A idade do Universo é um assunto científico, puramente, e está fora do escopo do texto. Mas os melhores estudos hoje em dia estimam uma idade de 13,6 bilhões de anos para o Universo e de 4,5 bilhões de anos para a Terra, e existe uma infinidade de dados que confirma isto.

      Sobre deturpar a Bíblia, onde exatamente eu fiz isso? Poderia citar no meu texto por favor?

      Abraços, Paz de Cristo.

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  5. Queria questionar no literal de Gênesis 1 verso 6: Como assim? Águas acima do firmamento chamado Céu, e águas abaixo do firmamento? e nos versos 16, 17 e 18 Gênesis diz que os luminares foram colocados no (Firmamento que se chama céu). E ai! como fica o universo mergulhado em água? Obrigado.

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