Essa é a última parte do texto que mostra uma visão panorâmica sobre o Problema do Mal. Pretendo me concentrar em pontos mais específicos nas próximas partes.
Aproveito para fazer mais duas observações que deixei de fora dos posts originais, mas que são interessantes. A primeira é a respeito do problema lógico e a segunda do problema probabilístico.
Sobre o problema lógico, alguns levantam a questão do Céu. Não seria ele um mundo possível onde as pessoas nunca fazem nada de ruim? Então, nesse caso, temos liberdade ou não?
Temos duas respostas e as duas são aceitáveis.
Pode ser que tenhamos liberdade. Mas talvez só seja possível criar um mundo de criaturas sem os “contrafactuais” ruins com uma etapa de seleção anterior (como essa seria). Poderia ser, por exemplo, que só pessoas que entrem livremente numa relação completa de amor com Deus consigam causar-se para não cometer atos maus mesmo com uma liberdade significante. Como Deus dá a opção de entrar ou não nessa relação, seria preciso essa “etapa” para criar um mundo livre sem tais contrafactuais. Se é possível, então ainda não há erros.
No segundo caso, pode ser também que seja o caso de perdemos a liberdade de alguma forma. As pessoas, nesse caso, poderiam fazer o sacrífico de parte de sua liberdade para viver com Deus. Mas o sacrífico seria voluntário para os que querem entrar estar lá. Deus dá a liberdade, mas as pessoas podem optar não tê-la (o que seria diferente de Deus tirar a liberdade, é bom frisar) em “troca” de algo.
Então essa objeção também falha.
Sobre o problema probabílistico, gostaria de elencar algumas justificativas teológicas (aí o autor passa a usar também a teologia cristã, antes disso estava usando puramente a filosofia) para o a existência do Mal que ajudariam a deixar mais clara alguns pontos. Utilizarei como base um artigo do Reasonable Faith. Seriam elas:
a. A moralidade de Deus não é igual a moralidade dada aos humanos: Muitos expressam o sentimento de que Deus não poderia determinar a morte de uma pessoa ou permitir o uso do sofrimento. A analogia usada é quase sempre é de um pai que mata um filho. Mas a analogia é falsa. Um pai e um filho estão no mesmo nível ontológico, pois são seres de mesma estatura (seres humanos). O pai só deu origem a outro ser humano, mas não pode dispor dos direitos dele. Já Deus é superior: Ele é o senhor da vida e da morte, então teria o direito de decidir sobre elas (basta lembrar que pessoas, quando discutimos pena de morte, não raro expressam essa idéia dizendo “O quê? Eles pensam que são o que para decidir sobre a vida dos outros? Deus?” ou ainda quando alguém falece: “Bom, Deus devia saber que essa era o melhor momento de levar ele”.) E, considerando a idéia de que Deus determinou a criação, ele nos fez mortais: nós iriamos morrer de qualquer jeito. Então se ele determinasse que prefere que uma pessoa viva 65 anos ao invés de 80 não haveria problema. Só um materialista pode julgar como pior das coisas a morte de uma pessoa, pois no materialismo essa é a nossa única chance e fim; mas se Deus existe, obviamente esse não é o caso.
b. O propósito da vida não é a felicidade terrena, mas conhecer Deus: um dos problemas com o Paradoxo é a tendência de achar que o propósito de Deus é criar felicidade para os humanos na Terra. Então se o mundo não é uma maravilha cor de rosa, onde eu tenho tudo que quero, AQUI e AGORA, significa que Deus não existe. A mentalidade moderna de “direitos” (todo mundo tem o direito de exigir qualquer coisa, por mais absurda que seja) e do “o importante é ser feliz” não possivelmente pode ter agravado esse pensamento. Mas no Cristianismo, isso é falso. Nós não somos os “cachorrinhos poodle” de Deus e a meta não é a felicidade nesse mundo, mas o livre conhecimento de Deus, que representa, em última instância, a maior e mais perfeita felicidade e completude humana de todas. Então momentos de dificuldade e tristeza na nossa vida podem ser justificadas como uma forma de baixarmos a guarda e nos reaproximarmos de Deus de forma mais estreita e duradoura o que, no fim das contas, é a melhor das coisas.
c. Conhecer Deus é o maior bem de todos: Conhecer Deus, uma fonte ilimitada de amor e compaixão, é um bem incomparável e o maior possível de toda a existência humana. Os sofrimentos dessa vida não são absolutamente nada comparados ao que seria o amor de Deus uma vez que estivessemos em uma relação livre com ele. Então uma pessoa que, no fim das contas, acaba conhecendo Deus poderia dizer, sem chances de arrependimento, não importa o quão dura fosse sua vida, não importa quantas dificuldades passou, “Deus é bom” – justamente pelo fato que nenhum mal chega perto de se equiparar ao conhecimento de Deus.
d. O conhecimento de Deus se estende na vida eterna: Segundo o Cristianismo, essa não é a nossa única vida. Todos aqueles que confiam e dedicam sua salvação à Deus terão acesso à vida eterna de uma felicidade incomparável. E quanto mais tempo passamos na eternidade, mais e mais aqueles momentos de sofrimento parecem apenas um momento minúsculo e infinitamente insignificante perto do que teríamos na nova situação. Imagine um mendigo que precise trabalhar duro durante um minuto para ficar para sempre numa ilha paradisíaca. Por maior que seja sua aversão ao trabalho, os benefícios fariam impossível ele reclamar desse breve momento de dedicação.
e. Crianças e mal natural: Muitos perguntam: “Mas e as crianças que morrem em desastres ou semelhantes?”. Observe que essa reclamação, como explicado acima, só serviria no materialismo, pois aí sim seria a única vida que temos. Não sendo esse o caso, podemos reclamar de uma criança que viveu pouco inevitavelmente? Talvez fosse o momento de Deus levá-las. Também é possível que nosso mundo esteja ajustado com uma quantidade de sofrimento (natural ou não) que permita o maior número de pessoas possível livremente aceitar Deus – poderia ser o caso de que menos pessoas (incluindo as próprias crianças) livremente iriam se salvar se elas não partissem agora e que mais pessoas entrariam na perdição eterna. Então, lembrando dos itens acima, esse seria um motivo justificável para crianças que vivem pouco.
f. Deus não fica parado – ao contrário, ele trabalha pela salvação de todos: de acordo com a visão de mundo cristã, Deus não fica parado olhando para as coisas ruins que acontecem aqui embaixo e dizendo: “Hm, é, isso aí.” Pelo contrário. Ele teria um papel ativo todos os dias tentando fazer as pessoas aceitá-lo e aproveitando oportunidades para pessoas abertas a Ele se aproximarem. Ele também aceitou sofrer numa escala sem precedentes para pagar nossos pecados. Então dependeria de nós aceitarmos sua redenção e seu convite – e nos livrarmos do mal que nos aflige para sempre.
Essas são algumas abordagens teológicas para a existência do Mal. Sempre haverá mais alguma teodicéia ou defesa que merecam notas – e você pode ler mais livros e pesquisá-las.
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O autor encerrou o texto aqui, e devo dizer que o problema realmente foi abordado de modo completo, sem deixar a desejar em nenhum ponto. Quero continuar a jornada de conhecimento com vocês. Na próxima postagem da série sobre "O Problema do Mal", falaremos de alguns detalhes sobre um dos assuntos sobre o Problema do Mal mais polêmicos: o inferno. Seria o inferno compatível com a bondade de Deus? Bem, já foi dada uma pequena pincelada nessa questão nos últimos textos, mas ainda há mais a ser discutido. Até a próxima, pessoal!
Abraços, Paz de Cristo :)
pq deus permite a sindrome de down?
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