Como prometido, aqui está o primeiro texto da série "Ensaios de C. S. Lewis". Aqui Lewis fala um pouco do conceito de onipotência, que deve ser definido para que possamos entender sua apologia ao cristianismo e sua conciliação da existência do mal e do sofrimento com a perfeita bondade divina.
Como de costume, meus adendos estarão em vermelho, para diferenciar do texto do autor original. Os destaques em itálico também são em sua maioria atribuídos a mim.
Abraços, Paz de Cristo.
"Se Deus fosse bom, Ele desejaria fazer suas criaturas perfeitamente felizes, e se Deus fosse todo-poderoso poderia fazer tudo o que quisesse. Mas as criaturas não são felizes. Portanto, falta a Deus bondade, poder, ou ambas essas coisas". Este é o problema do sofrimento em sua forma mais simples. A possibilidade de responder a ele depende de mostrar que os termos "bom" e "todo-poderoso", e talvez também o termo feliz, são ambíguos: pois deve ser admitido desde o início que se os significados populares ligados a essas palavras forem os melhores, ou os únicos possíveis, então o argumento é irrespondível. Neste capítulo farei alguns comentários sobre a idéia de onipotência e, no seguinte, sobre a de bondade.
Onipotência significa "poder para fazer tudo, ou todas as coisas". As Escrituras afirmam que "nada é impossível para Deus" (Lc 1.37). É bastante comum, numa discussão com um incrédulo, ouvir dizer que Deus, se existisse e fosse bom, faria isto ou aquilo; e então, se declaramos que o ato proposto é impossível, receber a resposta: "Mas pensei que Deus fosse capaz de fazer tudo". Isto faz surgir a questão da impossibilidade.
No uso ordinário da palavra, impossível geralmente subentende uma cláusula suprimida iniciada com as palavras salvo se, ou exceto, ou ainda a não ser que. Assim, é impossível para mim ver a rua de onde estou sentado escrevendo agora; isto é, é impossível ver a rua salvo se eu subir ao andar superior de onde posso olhar por cima do prédio que interfere com a minha visão. Se eu tivesse quebrado a perna diria: "Mas é impossível subir ao andar superior" - querendo indicar, porém, que é impossível a não ser que apareçam alguns amigos que me levem até lá. Vamos avançar agora para um plano diferente de impossibilidade, dizendo: "É, de qualquer forma, impossível ver a rua enquanto eu permanecer onde estou e o prédio intermediário continuar onde está". Alguém poderia acrescentar: "a não ser que a natureza do espaço, ou da visão, fosse diferente do que é". Não sei o que os melhores filósofos e cientistas responderiam a isto, mas eu teria de replicar: "Não sei se o espaço e a visão poderiam possivelmente ter sido de uma natureza tal como a que você sugere." Fica então claro que as palavras poderiam possivelmente referem-se aqui a alguma espécie absoluta de possibilidade ou impossibilidade diversa das possibilidades e impossibilidades relativas que temos considerado. Não sei se ver para além da esquina é, neste novo sentido, possível ou não, pois não sei se se trata ou não de uma auto-contradição. Sei porém muito bem que se for auto-contraditório é absolutamente impossível. O absolutamente impossível pode ser também chamado de intrinsecamente impossível porque leva consigo a sua impossibilidade, em lugar de tomá-la de empréstimo de outras impossibilidades que, por sua vez, dependem de outras ainda. Ele não contém qualquer cláusula do tipo "salvo se". É impossível sob quaisquer condições e em todos os mundos e para todos os agentes.
"Todos os agentes" aqui inclui o próprio Deus. A sua onipotência significa poder para fazer tudo que é intrinsecamente possível, e não para fazer o que é intrinsecamente impossível. É possível atribuir-lhe milagres, mas não tolices. Isto não é um limite ao seu poder. Se disser: "Deus pode dar a uma criatura o livre-arbítrio e, ao mesmo tempo, negar-lhe o livre-arbítrio" não conseguiu dizer nada sobre Deus: combinações de palavras sem sentido não adquirem repentinamente sentido simplesmente porque acrescentamos a elas como prefixo dois outros termos: "Deus pode". Permanece verdadeiro que todas as coisas são possíveis com Deus: as impossibilidades intrínsecas não são coisas mas insignificâncias (não existem na prática, são expressões sem significado). Não é possível nem a Deus nem à mais fraca de suas criaturas executar duas alternativas que se excluem mutuamente; não porque o seu poder encontre um obstáculo, mas porque a tolice continua sendo tolice mesmo quando é falada sobre Deus.
Deve ser porém lembrado que os raciocinadores humanos com freqüência cometem erros, seja argumentando a partir de dados falsos ou por falha no argumento em si. Podemos chegar assim a pensar coisas possíveis que na verdade são impossíveis, e vice- versa. Devemos, portanto, tomar a máxima precaução ao definir aquelas impossibilidades intrínsecas que nem mesmo a Onipotência pode realizar. O que se segue não deve ser considerado como uma afirmativa do que são, mas uma amostra do que poderiam ser.
Concluindo, o conceito de onipotência segundo C. S. Lewis não está relacionado a capacidade de fazer qualquer coisa que pode ser expressa por nossas palavras, mas exclui por definição as auto-contradições, ou como ele mesmo chama, as impossibilidades intrínsecas. Entender isto é fundamental para a compreensão dos próximos pontos.
Deve-se destacar também que esta não é a única definição dada pelo cristianismo em geral. Entretanto, esta é a única definição que tenho visto que responde ao problema do mal de forma lógica, tendo sido defendida por filósofos e teólogos como Santo Agostinho, São Jerônimo, São Tomás de Aquino e William Lane Craig.
Concluindo, o conceito de onipotência segundo C. S. Lewis não está relacionado a capacidade de fazer qualquer coisa que pode ser expressa por nossas palavras, mas exclui por definição as auto-contradições, ou como ele mesmo chama, as impossibilidades intrínsecas. Entender isto é fundamental para a compreensão dos próximos pontos.
Deve-se destacar também que esta não é a única definição dada pelo cristianismo em geral. Entretanto, esta é a única definição que tenho visto que responde ao problema do mal de forma lógica, tendo sido defendida por filósofos e teólogos como Santo Agostinho, São Jerônimo, São Tomás de Aquino e William Lane Craig.
Caro David, inclusive esse raciocínio de C.S. Lewis aplica-se muito bem àqueles paradoxos que alguns ateus costumam bradar, certos de que eles demonstram a inexistência de Deus. Um exemplo, que já li na net:
ResponderExcluir1- Deus é onipotente, logo pode criar tudo.
2- Assim, Deus pode criar uma pedra que Ele não possa deslocar.
3 - Se Ele não pode deslocar tal pedra, não pode ser onipotente.
Desse modo, conclui o ateu que esse paradoxo ilustra a crença em Deus como sendo um absurdo.
Mas aí é que entra a genial exposição neste texto do autor inglês. De fato, vê-se de cara que estamos diante de uma AUTO-CONTRADIÇÃO. Por isso, é intrinsecmente impossível Deus criar uma pedra que Ele próprio não possa deslocar (notando, aliás, que esta última premissa recai no caso de impossibilidade relativa, citada por Lewis, afinal não é absolutamente impossível deslocar uma pedra. Tal ação contem, certamente, uma cláusula SALVO SE.)
Muito esclarecedor!
Realmente, Eduardo. Obrigado pelo comentário, volte sempre!
ResponderExcluirAbraços, Paz de Cristo.
então como deus criou a luz sem antes criar o sol, segundo a biblia?
ResponderExcluirNão criou não. Isso é um erro de interpretação muito comum, eu já falei sobre isso nesse artigo:
Excluirhttp://www.respostasaoateismo.com/2011/03/interpretacao-literal-do-genesis_02.html
Abraços, Paz de Cristo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro Ronathan,
Excluirobrigado pelo comentário. Na verdade, este texto não é um argumento para provar a existência de Deus e sim uma explicação do conceito de onipotência.
Abraços, Paz de Cristo.