quarta-feira, 16 de maio de 2012

Crenças que todos possuímos, ou Sobre as crenças que até o ateu possui, ou Mais uma sobre Ciência e fé


Olá, leitores. O texto a seguir é uma objeção à tendência atual de se definir ateísmo como a ausência geral de crenças. Esta definição parte principalmente dos neo-ateus, que possuem um elevado grau de cientificismo e uma espécie de preconceito de qualquer coisa relacionada à palavra "crença". Na verdade, a crença em si é algo necessário para qualquer tipo de conhecimento, como veremos a seguir. 

Mesmo que não se defina ateísmo como a ausência de crenças, mas a ausência de crença em deuses ou no sobrenatural, esta definição também é equivocada e representa apenas uma forma de os ateus de hoje em dia fugirem do ônus da prova que possuem. Isto já foi mostrado aqui

O texto foi extraído (com praticamente nenhuma modificação) do blog Ministério Cristão Apologético, e contém uma pequena relação de temas em que mesmo os ateus precisam crer, pois são crenças básicas necessárias ao método científico, definidas pela filosofia da ciência.  

Abraços, Paz de Cristo.

6 PASSOS DE FÉ NECESSÁRIOS À CIÊNCIA

Os filósofos reformados perceberam que a tão estimada ciência possui crenças, passos de fé, que não podem ser justificados em suas cosmovisões. A ilusão positivista de que eles se atém aos fatos é exposta como equivocada, e a afirmação ‘Credo ut intelligam’ (creio para entender), passa a ser o princípio da ciência.

Mostraremos então, neste artigo, os passos de fé da ciência:

1. Causalidade

David Hume observa que pressupomos a causalidade. Ele notou que nós postulamos causalidade quando observamos um evento X acontecer antes do evento Y de maneira frequente. Porém, em momento algum observamos algo chamado causalidade em si. Alves, comentando sobre Hume, questiona: “Haverá algum dado sensório, dentro dessa experiência, que corresponda à ideia  de causalidade? Não [...] Em nenhuma delas a relação causal parece como um dado empírico...” (ALVES, 2008, p. 130). Gaardner ajuda a esclarecer: “Você experimentou o fato de um acontecimento se suceder temporalmente ao outro, mas não experimentou que o segundo evento ocorre por causa do primeiro” (GAARDNER, 1996, p.297).

Podemos nos perguntar, como é, então, que chegamos à ideia de causalidade. Hume conclui, visto isto não ser é um dado empírico, nem uma derivação lógico-necessária, que simplesmente nos acostumamos com a sequência de eventos.  Alves coloca da seguinte forma: “Será necessário que as experiências se repitam, se acumulem, criem hábitos mentais... mas é isso mesmo! Os hábitos e costumes nos fazem ver a realidade por meio das rotinas, das repetições” (ALVES, 2008, p.130).

Podemos ainda, a título de enriquecimento do trabalho, mencionar algumas conclusões a mais de Hume. Por exemplo, como observamos acima, Hume entendia que o que formulamos à parte de nossas experiências sensoriais, são meros construtos ideológicos, mentais (aqui surge um ponto controverso em Hume. Alguns entendem que Hume era ateu, e não cria que esses construtos pudessem existir; outros entendem que Hume era agnóstico quanto à essas coisas; outros entendem que ele reclusou intencionalmente estas questões à fé, e esse último ponto é o que podemos explorar em nosso trabalho, pois muitas coisas, como a causalidade que está em voga no momento, realmente são pressupostas, cridas). Por isso Gaardner ressalta: “Hume insiste em que a expectativa de que um evento se suceda ao outro não está nas coisas em si, mas em nossa mente” (GAARDNER, 1996, p.297).

Outra questão digna de menção é o fato que podemos estar cometendo a falácia post hoc, ergo propter hoc (depois de, logo por causa de). Sproul ilustra: “Se o galo canta ou o peru grasna imediatamente antes de o sol nascer, será que o galo ou o peru causaram o nascimento do sol? Será que, se todos os galos e perus fossem extintos, os sol deixaria de nascer?” (SPROUL, 2002, p.110). Ou seja, podemos estar atribuindo a causa errada para determinado efeito. De fato, esse é um grande perigo, que mina a confiança na ciência. “Temos a tendência de pensar que, quando uma coisa funciona bem, ela deva ser verdadeira” (ALVES, 2008, p.103). Mas podemos sempre estar enganados quanto ao apontamento de  causas. É por isso que Alves afirma que “os ‘sim’ da natureza são sempre um talvez”.

Apesar de Hume estar correto em observar que pressupomos a causalidade, a forma que ele lida com esse pressuposto, relacionado ao resto de sua cosmovisão, está equivocado. Veremos doravante, que a cosmovisão bíblica fornece o pressuposto ideal para que a causalidade ganhe caráter ontológico rea

2. Mundo Exterior

Outra suposição que naturalmente admitimos, é a de que existe um mundo exterior.  Esse problema entra em voga no século 17. Ronald Nash expõe com êxito a problemática:

"os objetos imediatos do conhecimento são ideias que existem na mente. Em outras palavras, quando eu percebo uma mesa marrom no outro lado da sala, aquilo de que estou imediatamente consciente não é a mesa, mas uma ideia da mesa. Ainda que a mesa, presumivelmente, exista fora de minha mente, no mundo exterior, a ideia da mesa existe em minha mente [...]... a existência de uma cadeira e de todos os móveis de uma sala do chamado mundo exterior (o mundo que, supostamente, existe fora de nossa mente) torna-se algo problemático; tanto que alguns filósofos se sentiram obrigados a produzir argumentos, provando que o mundo fora de nossa mente continua a existir ainda quando nenhum humano o está percebendo" (NASH, 2008, p.276).

Sire, comentando sobre as consequências de uma cosmovisão que principia com a soberania (inclusive metafísica) do eu, coloca a questão de maneira bem vívida e chocante, (observando o que exploraremos mais tarde, a saber, a semelhança entre o solipsismo  [“que é a crença de que o eu é tudo o que existe ou é capaz de ser conhecido” (CRAMPTON; BACON, 2009, p.36)]e a demência):

"(...) talvez esse universo seja o que criamos, e nós mesmos nos encontramos em um quarto ou canto do hospital, inconscientemente sonhando que estamos lendo esse livro, que, na verdade, criamos por meio de nosso maquinário de projeções de realidade do inconsciente. A maioria das pessoas não segue essa rota, pois fazê-lo seria retroceder os corredores de infinitos regressos" (SIRE, 2009, p.260).

O fato é que há a necessidade de que um axioma garanta a existência do mundo exterior. Caso contrário, não temos justificativa alguma em crer que ele exista fora de nossa mente, que seja algo diferente de uma ilusão criada por nós mesmos. Até mesmo as sensações poderiam ser criadas em nosso próprio cérebro. Estaríamos de mãos dadas com o solipsismo (doravante veremos qual o problema em cair em solipsismo).

3. Outras Mentes

Muitos filósofos (notória e recentemente, Alvin Plantinga) também observam que, abarcado pelo problema supracitado, também pressupomos a existência de outras mentes. Mas uma vez com Nash:

"(...) as relações dentro de nossa mente (pensamentos, imagens e outros itens dos quais estamos conscientes) parecem imediatas e negáveis. Minha consciência de uma mesa marrom é mediada por outras coisas. Eu não percebo a própria mesa imediatamente. Mas minha consciência da ideia de tal mesa é direta e imediata. Embora eu possa achar que é possível duvidar da existência da mesa (posso estar sonhando ou alucinado), é impossível duvidar da minha consciência da ideia da mesa. Assim, é fácil acreditar que eu tenha uma mente. Mas como eu sei que tenho uma mente? Muitos filósofos fornecem muitos argumentos, tentando provar que as outras pessoas têm mentes, mas seus argumentos são falhos [Nash sugere um livro de Alvin Plantinga chamado ‘God and Other Minds’] (NASH, 2008, 277).

Então Sire observa conclusivamente: “Assim, optamos pela existência não apenas de nosso eu, mas do eu dos demais e, portanto, exigimos um sistema que trará não somente unidade ao nosso mundo, mas igualmente conhecimento” (SIRE, 2009, p.260).

Ainda há outras questões, que, como as já mencionadas acima (causalidade; realidade do mundo exterior) são essenciais à ciência, e também são pressupostas. É interessante observar que cientistas de grande proeminência sequer percebem os passos de fé que dão ao fazer ciência. Seu discurso é de que eles são exatamente objetivos, fiéis aos fatos, sem que crenças sejam tragas à baila.

Parece que a utopia positivista de Comte ainda está entranhada no pensamento científico hodierno. Nas palavras de Comte:

"Reconhece de agora em diante, como regra fundamental, que toda proposição que não seja estritamente redutível ao simples enunciado de um fato particular ou geral, não pode oferecer nenhum sentido real e inteligível. Os princípios que emprega são apenas fatos verdadeiros..." (COMTE apud ALVES, 2008, p. 136).

Presume-se que o cientista não possui nenhum insight pístico, e “sua ciência dispõe de um método que torna possível um discurso totalmente fiel ao objeto, do qual o sujeito se ausentou” (ALVES, 2008, p.155). O cientista é tido como aquele que é isento de pressuposições, de qualquer pré-conceito, que assumem "o programa de não dizer mais que aquilo que os fatos nos autorizam" (ALVES, 2008, p..136).

Porém, com os pressupostos supracitados, e os que observaremos adiante, devemos abandonar o pressuposto que nossos tempos criou. Nas palavras de Alvin Gouldner, é necessário: “abandonar o pressuposto muito humano, mas elitista, de que os outros creem movidos por interesses, enquanto eles (os cientistas) creem em obediência aos ditames da lógica e da razão” (GOULDNER apud ALVES, 2008, p.157).

4 – O passado

No anime Full Metal Alquimist, no episódio nono, Alphonse Elric, um construto que tivera sua alma presa à armadura vazia que corresponde ao personagem, questiona-se, instigado por um mal feitor, se ele na verdade não seria um boneco, e que as lembranças que ele tem do passado não tivessem sido todas inseridas nele por processos mágicos semelhante aos que aprisionaram sua alma na armadura. Alphonse expressa-se assim: “O que chamamos de memória não passa de informações. E isso poderia facilmente ser criado artificialmente”. Isso serve para ilustrar a questão de que pressupomos que aquilo que chamamos de memória realmente corresponde ao passado. Wolterstorff coloca assim: “...somos todos constituídos de tal maneira que, com base em memórias de experiências em certas situações, somos dispostos a manter algumas crenças sobre o passado” (WOLTERSTORFF apud NASH, 2008, p.298).

O fato é que, para provarmos que o passado é real, temos de nos valer das informações de nossa mente, da memória.  Craig elucida: "Pense na convicção de que o mundo não foi criado cinco minutos atrás com recordações implantadas, alimentos do café da manhã no estômago que na verdade nunca ingerimos e outras indicações de idade. Certamente é racional crer que o mundo existe há mais de cinco minutos, apesar de não haver evidências para isso" (CRAIG, 2004, p.28).

Ainda acrescento que não é necessário admitir uma cosmovisão teísta para que tenhamos sido criados (basta ler Hawking, por exemplo). Uma própria cosmovisão naturalista admite que o homem surge de alguma forma, e uma cosmovisão destas, que admita que a formação impessoal de nossas mentes carregue informações inaturas, pode possibilitar a ideia de que nossas memórias também sejam informações inatas, e não experiências.

De uma forma ou de outra, somado à questão de que o mundo exterior pode ser uma mera projeção mental, a possibilidade de que tenhamos sido criados a cinco minutos atrás com todas as memórias embutidas é muito razoável.

5 – Ordem e Uniformidade no cosmos

Quanto à primeira questão, nós naturalmente presumimos que o universo está organizado de alguma maneira. “O pensador e o cientista crêem numa ordem desconhecida” (WHYTE apud ALVES, 2008, p.43). Presumimos que haja uma ordem que não podemos ver na essência do cosmo. “....os indivíduos estão em busca de ordem e [...] todos eles, independentemente de convicções pessoais, concordam em que a ordem é invisível” (ALVES, 2008, p.43); e: “Nisso a ciência está de mãos dadas com as pessoas do senso comum, não importa quais sejam suas crenças: uma e outras se negam a admitir que a natureza seja um conjunto de fatos brutos, destituídos de sentido” (ALVES, 2008, p.77).

Mas pode ser que ele seja desorganizado. Temos que pressupor aqui. “Procedemos de forma ordenada porque pressupomos que haja ordem. Sem ordem não há problema a ser resolvido. Porque o problema é exatamente construir uma ordem ainda invisível de uma desordem visível e imediata” (ALVES, 2008, p.30-31). A ordem do universo deve ser formulada mentalmente, ela não é um dado empírico.

E não é só isso, “... você tem de pressupor que é capaz de descobrir a ordem”(ALVES, 2008, p.31).

Quanto à questão da uniformidade do universo, também a pressupomos. “Uma coisa é certa: a conclusão de que o futuro será semelhante ao passado, de que a totalidade dos casos será semelhante aos alguns que examinei, não é lógica. (ALVES, 2008, p.127). Generalizações, feitas pela ciência, são passos de fé, são apostas, calcadas no pressuposto de que as coisas serão como foram, ou que todas as coisas são sempre como as observei. Cheung expõe: “...a questão sobre a uniformidade da natureza diz respeito ao futuro da nossa experiência relativa ao nosso presente, futuro esse que ainda não foi observado por qualquer ser humano” (CHEUNG, 2009, p.46-47), e ainda “... a ciência assume que a natureza é uniforme e estável, que os experimentos são reproduzíveis, que a física e a química serão as mesmas no ano seguinte” (CHEUNG, 2009, p.46); então questiona: “...por qual fundamento a ciência empírica pode garantir que o futuro será como o passado?” (CHEUNG, 2009, p.47), e “...a observação empírica de forma alguma pode justificar uma suposição audaciosa como essa. [...]sempre que ela [uma pessoa] pondera se a natureza será a mesma no futuro (seja no dia seguinte ou no próximo ano), permanece o fato que ela ainda não observou o futuro” (CHEUNG, 2009, p.46).

6 – Razão

Ainda podemos mencionar que acreditar na própria razão como  valorosa exige um passo de fé. Aqui, não é necessário que a discussão seja apenas sobre ciência e fé, mas epistemologia em geral. Vale observar que todos pressupõe ser a razão, a lógica, algo de um caráter ontológico ‘simbiótico’ à realidade. Assim, “porque elas são também leis do ser, podemos usá-las para apreender a estrutura lógica do mundo” (NASH, 2008, p.210).

De fato, vários pensadores apresentam argumentos observando que devemos presumir a lógica para raciocinar.

Nash observa que, apesar de a lei da não-contradição (“A não pode ser B e não-B, ao mesmo tempo e no mesmo sentido” NASH, 2008, p.210) não poder ser provada diretamente (pois todo argumento pressupõe a lógica, de modo que o raciocínio seria circular, ou seja, o que se quer provar já está admitido nas premissas), ela é indiretamente provada se observarmos que a eliminação dela impossibilita a existência do pensamento significante, da conduta humana significante, e da comunicação significante (o que impossibilitaria um argumento para refutar a própria lógica). Isso porque a distinção entre as coisas é eliminada.  Se B é essencialmente algo, e ao mesmo tempo é essencialmente algo diferente, B é tudo. Gordon H. Clark explana: “Se declarações contraditórias são verdadeiras em relação ao mesmo objeto e ao mesmo tempo, evidentemente todas as coisas serão a mesma coisa. [...] Todas as diferenças entre as coisas se desvanecerão e tudo será um” (CLARK apud NASH, 2008, p. 211).

Chesterton observa de maneira muito semelhante: “A própria razão é uma questão de fé. É um ato de fé afirmar que nossos pensamentos têm alguma relação com a realidade por mínima que seja” (CHESTERTON, 2008, p.56); e que [apesar do viés tomista do pensamento] “ambas [religião e razão] têm a mesma natureza primária e autoritária. Ambas são métodos de comprovação que não podem elas mesmas ser comprovadas” (CHESTERTON, 2008, p.58).

Budziszewski também comenta: "O mote 'apenas a razão!' é completamente sem sentido. A própria razão pressupõe fé. Por quê? Porque uma defesa da razão pela razão é circular e, portanto, sem valor” (BUDZISZEWSKI apud GEISLER; TUREK, 2006, p. 133).

A questão é que o mundo pode ser totalmente caótico, e a lógica, que presumimos corresponder à ele, não o fazer. Estaríamos caminhando, ao lado de Nietzsche, rumo à loucura, e isso não seria nada, paradoxalmente falando, ilógico. É uma possibilidade lógica o fato de a lógica não corresponder à realidade.

Assim, de fato, presumimos a lógica, e que ela corresponde ao mundo, ao ser.

Referências:

ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 13. ed. São Paulo: Loyola, 2008. 224 p.

CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. Tradução de Almiro Pisetta. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. 264 p.

CHEUNG, Vincent. Questões Últimas. Tradução de Marcelo Herberts. Brasília: Monergismo, 2009. 143 p.

CRAIG, William Lane Craig. A veracidade da fé cristã: uma apologética contemporânea. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo:Vida Nova, 2004. 309 p.

CRAMPTON, W. Gary; BACON, Richard E. Em direção a uma cosmovisão cristã. Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto. Brasília: Monergismo, 2009. 112 p.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.

GEISLER, Norman; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu. 2006, 420 p.

NASH, Ronald H. Questões Últimas da vida: uma introdução à filosofia. Tradução de Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 448 p.

SIRE, James W. O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisão. Tradução de Fernando Cristófalo. 4. Ed. São Paulo: Hagnos, 2009. 384 p.

SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002, 208 p.


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