Pressupostos para o surgimento da Ciência
Interessante como hoje se veem ciência e religião numa imagem de conflito e hostilidade, quase de oposição... mas isto é muito recente. Passamos três séculos inteiros (XVI a XIX) onde a relação entre ambas podia ser vista como uma aliança. Os primeiros cientistas não viam a devoção religiosa e a investigação científica como incompatíveis, pelo contrário, uma era motivação para a outra. Um dos que começou a visão contra a dominância cultural foi o biólogo inglês Thomas Huxley (mais conhecido como o "buldogue de Darwin"). O próprio Huxley sabia e declarava que o que ele fazia não era nada mais do que substituir uma religião por outra. Dizia frequentemente que seu objetivo era a "instituição da igreja científica" e chamava as suas palestras de "sermões leigos".
Entretanto apenas o fato de que a ciência moderna surgiu numa cultura impregnada pela fé cristã já é sugestivo. Conhecemos várias outras culturas, como os chinese ou os árabes, que produziram um nível de erudição e tecnologia inclusive superiores ao da Europa medieval. Mesmo assim foi no Ocidente que sistematizou-se o método científico empírico. Não se nega que outros fatores da época também influenciaram o surgimento da ciência: crescimento das profissões liberais, fundação de várias instituições científicas, crescente número de publicações periódicas, etc. Estes foram elementos essenciais para o desenvolvimento da ciência, mas não propriamente para a sua origem. A investigação cienífica depende de certos pressupostos, que precisam ser aceitos, acerca do mundo. A ciência não pode existir até que estes sejam plenamente estabelecidos.
1. É preciso conferir à natureza atributos que a tornam um objeto possível do estudo científico, ou "É preciso ter fé que a Ciência pode existir";
Este pressuposto se baseia na legitimidade da natureza, que por sua vez vem diretamente da ideia cristã de uma criação divina objetiva. Mesmo que nem todos os percursores do movimento científico fossem cristãos devotos, eles estavam imersos dentro de uma sociedade onde a influência e o apelo cultural cristão estavam devidamente enraizados.
A ciência também depende da atitude do indivíduo em relação à natureza. Devem ser aceitos várias outras premissas acerca da natureza:
2. A natureza deve ser real;
Isto pode parecer óbvio, mas existiram e existem outros povos que consideram a natureza irreal. No panteísmo e no idealismo, por exemplo, as coisas finitas são apenas manifestações do Ser absoluto e infinito; a individualidade e separações não passam de ilusão. Segundo o Hinduísmo, que é panteísta, "o mundo físico é uma ilusão". Com tal sistema de crenças como premissa seria muito difícil inspirar a atenção voltada ao mundo que a ciência exige. Por outro lado, a doutrina cristã ensina que Deus criou os objetos, estes não são apenas mainfestações do divino, portanto possuem existência real, e são passíveis de estudo.
3. A natureza deve ser, além de real, digna de estudo.
Esta convicção está relacionada a valores. Os gregos clássicos não a tinham. Frequentemente relacionavam o mundo o mal e ao caos. Trabalhos manuais eram reservados aos escravos, e os filósofos, tidos como homens mais elevados, dedicavam-se ao ócio e ao pensamento, buscando as ideias. Muito provavelmente foi por isso que os gregos nunca desenvolveram uma ciência experimental. Opostamente, o cristianismo ensina que o mundo, como criação de Deus, tem grande valor: "e viu Deus que o mundo era bom" Gn < > O trabalho manual era digno de orgulho, notadamente entre os cristãos medievais. Os artesãos eram vistos com respeito. A partir da Reforma Protestante, difundiu-se muito o conceito de que o homem deveria servir a Deus, não se retirando numa vida monástica, mas realziando qualquer trabalho honesto e útil com honestidade e diligência". E era assim que os primeiros cientistas viam seu trabalho:
"Graças te dou, Criador e Deus, pois tu me concedeste esta alegria em tua criação e me alegro nas obras de tuas mãos. Vê, pois, que completei o trabalho para o qual fui chamado. Nele, usei todos os talentos que tu concedestes ao meu espírito."
Johannes Kepler, sobre a conclusão dos seus trabalhos como astrônomo.
"A busca da ciência é uma boa dádiva concedida por Deus."
Jean-Baptiste von Helmont
Johannes Kepler, sobre a conclusão dos seus trabalhos como astrônomo.
"A busca da ciência é uma boa dádiva concedida por Deus."
Jean-Baptiste von Helmont
4. A natureza deve ser boa, mas não uma divindade, apenas um objeto.
Religiões animistas, totemistas e panteístas tratam o mundo natural como uma habitação de ser(es) divino(s), ou como uma emanação da própria essência dos deuses. O homem pagão costuma ver o mundo como uma espécie de floresta encantada, onde tudo- vales, bosques, pedras, rios, árvores - está repleto de espíritos. Biblicamente, Deus não habita no mundo da mesma maneira que um <Dryad> habita numa árvore. Ele não é a "alma" do mundo, mas sim seu Criador. Isto é enfatizado desde as primeiras linhas do Gênesis. Sol, Lua e estrelas são claramente vistos como meros objetos da criação de Deus, enquanto na maioria esmagadora das outras culturas estes eram vistos como vivos, divinos. A "desdeificação" da natureza é essencial para o surgimento da ciência. Pois deve-se encarar a natureza sem o medo de estar ofendendo ou desrespeitando ela própria como um ser divino, fazê-la um objeto de estudo em vez de um objeto de adoração.
5. A natureza deve ser um sistema onde os acontecimentos ocorrem de maneira regular e confiável;
Isto é obviamente necessário, se queremos encará-la como objeto de estudo. O paganismo em geral via o mundo como uma confusão de deuses, cada um manipulando uma parte específica do mundo ao seu bel-prazer, para satisfazer os seus caprichos. O cristianismo, entretanto, ensina um único Deus, transcendente e de vontade firma e constante, que criou um Universo coerente e unificado.
Obs: perceba que a ideia da confiabilidade da natureza não supõe somente a existência de um Deus, mas também faz implicações sobre o caráter deste Deus. Ele deve ser fidedigno, a ponto de criar um mundo ordenado e regular. Copérnico, por exemplo, buscava em seu trabalho uma cosmologia que fosse mais adequada que a de Aristótoles e a de Ptolomeu. A conclusão de seu trabalho foi um sistema mais organizado, que condizia mais com a regularidade e simetria atribuída à obra de Deus.
Os humanos anseiam por respostas, e ao longo do tempo inventaram “explicações” para o que não aceitam, mas como o conhecimento é evolucionário, à medida que a capacidade humana de investigar foi se aprimorando, a nossa compreensão evoluiu, fazendo com que coisas outrora relevantes, pelos laços emocionais que criaram, perdessem a sua relevância, ou fossem substituídas por novos pontos de vista. L H
ResponderExcluirOlá de novo, Lisandro Hubris.
ResponderExcluirConcordo que a nossa compreensão sobre o mundo aumenta (e olha que é muito difícil achar algo em que possa concordar contigo...). Também concordo que alguns conceitos tem que ser deixados para trás à medida que se tornam ultrapassados.
Mas preste atenção ao que vem sendo dito aqui. Estes pressupostos são fornecidos talvez apenas pelo cristianismo, e são eles que validam a Ciência. Se estes conceitos forem descartados, toda a ciência também terá que ser descartada, pois ela deriva justamente deles, a não ser que surjam outros pressupostos mais adequados e que eliminem estes, o que até hoje nunca aconteceu. No máximo, os ateus invalidaram todos os pressupostos e afirmaram que a ciência é irracional. Foi o que fez David Hume, eu o citei na parte 4. Na verdade, ciência e ateísmo são filosoficamente incompatíveis.
Abraços, Paz de Cristo.
Porém acredito que nenhum senhores da antiguidade poderia saber que a ciência iria chegar aonde chegou. Nenhum deles parou para pensar como seria a tecnologia moderna, ou como a ciência poderia mudar de fato como a humanidade pensa, principalmente sobre o mundo natural.
ResponderExcluirPode-se dizer que existe três fases em relação a religião:
(1) Antes da descoberta da ciência
(2) Ambas andando juntas por um tempo
(3) A ciência ultrapassando o conhecimento e descobertas religiosas ao ponto de não precisar da religião
no ponto (1) a religião era dominante e mesmo que o método científico não tenha sido descoberto, eles mesmo diziam possuir o conhecimento para o mundo e assim explicavam de forma simples como o universo e o planeta funcionada.
No ponto (2) a ciência se tornou forte aliada da religião e a religião da ciência. Porém não demorou muito até a ciência romper seus laços com a religião e seguir seu próprio caminho.
No ponto (3) a ciência não depende mais da religião e a religião tenta se adaptar a ciência e dizer que ambas não estão em desacordo. O que de fato se torna uma ofensa. As teorias científicas estão em muito na contramão do que a própria religião ensina e prega.
Por exemplo, no ponto (1) acreditava-se que a terra tinha 6 mil anos, que o ser humano era uma criação e que todos os animais e a terra foram criados. Não existe qualquer menção Bíblica principalmente sobre evolução ou seleção natural. Inclusive o povo de Israel acreditava que o arco íris era uma benção de Deus ou aliança se preferir e também acreditavam que a chuva era bençãos de deus e que a seca era maldição.
No ponto (1) ao qual não existe a ciência como a conhecemos hoje, a religião e principalmente os autores da Bíblia explicavam o mundo de determinada maneira. Quando atingiram o ponto (2) enquanto a ciência não demonstrava que o conhecimento possuído pela igreja não demonstrava como as coisas realmente eram na natureza, a igreja e a religião não se sentiram ameaça, porém quando a ciência atinge o ponto (3) tudo muda. A ciência não necessita da religião e suas conclusões são bem diferentes da religião no ponto (1). A ciência demonstrou que deus não criou todos os animais, e sim que eles foram evoluindo e sofrendo os processos da seleção natural. Porém os religiosos modernos não veem problema em contradizer os contos da religião no ponto (1). A ciência explica o porque a chuva acontece e demonstra o porque o povo de Israel estava errado ao dizer que a chuva era bençãos de deus.
Quando a ciência se desligou da religião, a religião ainda sentia enorme vontade de impor sua crença sobre a ciência, como um Pai que não pode aceitar que seu filho tenha o superado em todos os aspectos. Não existe conflito entre ciência e religião atualmente? Porque o DI não é ensinado nas escolas?
Porque a Bíblia não é ensinada nas escolas como antigamente?Porque a religião não tem qualquer voz ou influencia para dizer como a natureza funciona e porque? Somente uma pessoa que não pode ver o que realmente está acontecendo pode afirmar equivocadamente que não existe conflito entre religião e ciência. A ciência não tem conflito com ninguém, porém a religião naturalmente entre em conflito com a ciência.
Esse texto explica bem melhor a situação: http://religiaoeateismo.blogspot.com.br/2015/04/o-conflito-entre-ciencia-e-religiao.html
ResponderExcluir