terça-feira, 9 de abril de 2019

"Interpretação Literal do Gênesis?" Revisitado e Comentado


Olá, leitores. Os que acompanharam os últimos textos aqui do blog sabem que passei a me posicionar mais fortemente a favor da teoria da evolução. Isto tem um impacto muito grande na história desse blog, já que o primeiro texto que postei aqui era justamente acerca da possibilidade de interpretação literal do Gênesis, e uma proposta de leitura a partir de uma posição que estaria mais alinhada com o criacionismo da Terra antiga. Este texto possui um certo valor sentimental para mim, por ser o artigo mais antigo do blog. Mas hoje, ele será revisado e comentado aqui.

Farei da seguinte forma: transcreverei o texto na íntegra, em azul, e adicionarei meus comentários atuais em preto.
Esse é meu primeiro texto aqui, na verdade eu o redigi há vários meses, numa comunidade do orkut. Deixei ele guardado pois sabia que precisaria dele novamente. Hoje mesmo, respondendo a uma pergunta no Yahoo Respostas sobre o assunto, lembrei-me dele e senti vontade de compartilhá-lo com as pessoas.
Percebem o quanto isto é antigo? Dá até um pouco de nostalgia ao ler o nome destas plataformas sociais ultrapassadas. Eu estava no início da faculdade ainda quando escrevi o texto.
Quero ressaltar que ele representa uma das visões possíveis do cristianismo sobre o assunto, não há uma visão absoluta, somos pessoas diferentes, pensamos diferente, mesmo assim essa diferença não nos faz cristãos melhores ou piores, essas questões são complementares e não fundamentais, a meu ver.
Legal. Continuo concordando com isto, embora talvez não usaria as mesmas palavras hoje em dia. A própria ciência não é absoluta, e há espaço para as visões diferentes acerca do tema das origens. Entretanto, naquela época a minha opinião era bem menos formada. Hoje eu já tenho uma opinião mais forte sobre uma visão estar mais próxima da verdade do que as outras.
O texto defende com argumentos uma visão não literal do relato da criação no Livro do Gênesis. Não pretende ser uma explanação completa, apenas uma coleção de fatos que julgo serem interessantes. Está dividido em duas partes, para facilitar a leitura. Bem, vamos lá:
Eu deixei as duas partes em uma só nesta versão. Bem, vamos lá:
Uma das objeções mais frequentes à confiabilidade da Bíblia é a aparente discrepância entre a narrativa de Gênesis 1 e as supostas evidências minerais e fósseis que sugerem uma idade de bilhões de anos para a Terra. Vamos chegar à conclusão aqui que esse conflito é apenas aparente.
Se tivéssemos de interpretar Gn. 1 de maneira completamente literal (como pensam alguns teólogos ser a única maneira correta de interpretar a Bíblia, mas o livro que cito como fonte mostra inúmeros casos onde o método leva a contradições; não convém mencionar nisso agora porque não é sobre assunto que estou falando), não haveria possibilidade de conciliação entre o relato bíblico e os dados científicos. Mas a crença na inerrância bíblica não deve se apoiar na interpretação totalmente literal ou figurada, e sim no sentido que o autor bíblico (tanto humano quanto divino) tenha de fato atribuído às palavras usadas.
Aqui também há algo muito interessante, porque estou falando de "conflito aparente". Entender que qualquer conflito entre a evidência natural e a Bíblia deve ser aparente é um aspecto básico da Teoria dos Dois Livros, que expus recentemente aqui no blog.

Depois, também corretamente, falo contra a interpretação literalista da Bíblia.
(Exemplos de quando o sentido da palavras bíblicas não pode ser literal: Mateus 19.24; João 2.21).
O exemplo de Mateus 19.24 é um pouco complicado, eu teria reservas de colocá-lo hoje em dia. Não há consenso sobre a verdadeira interpretação deste versículo. Há alguns que dizem que Jesus poderia estar usando uma hipérbole, mas a maioria defende uma interpretação literal, embora discuta-se sobre o significado original da expressão "fundo de uma agulha". Já João 2.19-21 é mais direto, o próprio texto explica que Jesus estava falando figuradamente.
O verdadeiro propósito de Gênesis 1 seria ensinar que o mundo foi criado cerca de 144 horas antes de Adão nascer? Ou será essa uma inferência enganosa que não leva em conta outros dados bíblicos diretamente relacionados?
Gênesis 1.27 - Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou; macho e fêmea os criou.
O verso mostra que Eva foi "criada" juntamente com Adão, nas "horas finais" do sexto dia. Porém, ao examinarmos Gênesis 2.15-22, descobrimos que passou um intervalo de tempo considerável entre o surgimento de Adão e o surgimento de Eva. Deus deu a Adão a tarefa de nomear e classificar as espécies do jardim, assim como cuidar do mesmo. Isso deve ter demandado grande intervalo de tempo, até que Adão se sentisse só e vazio.
Comparando os dois textos torna óbvio que o sexto dia não foi um período de 24 horas. Assim, o propósito de Gênesis 1 não é dizer com que rapidez Deus realizou a sua obra, e sim revelar que o Senhor Deus (heb. YHWH 'Elohim) é o Autor de todas as coisas, ao contrário do que diziam as culturas não-hebraicas da época. O Livro de Gênesis é um manifesto contra os ensinamentos politeístas.
Aqui, ainda em total acordo com o meu eu atual,  se refuta a ideia do "dia" como um período literal de 24 horas, e levando-se em conta o propósito original do texto (de uma forma ainda bem superficial - talvez no futuro possa falar sobre isto com mais profundidade).
O segundo aspecto principal do capítulo 1 é ressaltar e a criação fora feita de forma organizada e sistemática. Os versos parecem referir-se apenas à criação do Planeta Terra e não de todo o Universo, como alguns pensam. A formação do planeta foi organizada em 6 fases, que são chamadas de dias (heb. "yom"). É importante verificar que os dias não estão acompanhados de artigo definido no texto original ("o primeiro dia", "o segundo dia" - está escrito "um primeiro dia", "um segundo dia"). Além disso, os numerais não estão na forma ordinal e sim na cardinal ("yom ehad", "yom senî" - dia um, dia dois, ao invés de dia primeiro, dia segundo). Esse recurso na língua hebraica não é usado em prosa, somente em textos poéticos. Assim, a linguagem usada refere-se a um padrão sequencial, não a períodos de tempo definidos e estritamente limitados.
Aqui se fala um pouco sobre a estrutura do texto, que aponta para um estilo poético e organizado em tópicos. Estou de acordo até aqui, mas parece que daqui pra frente vamos ter alguns problemas.

A minha ideia a partir deste trecho era associar cada versículo do "Hino da Criação" a um período da história do planeta definido cientificamente. A premissa é que isto faria sentido se olhássemos a história da criação como sendo na verdade a história da criação do planeta Terra. Isto é concordismo, ou seja, querer forçar o texto a se adequar com o nosso conhecimento científico atual. Gênesis não precisa estar de acordo com o nosso conhecimento atual porque ele não foi escrito originalmente para pessoais atuais. Seu público-alvo original eram as pessoas daquele tempo, que tinham seu contexto cultural e seu próprio "conhecimento científico". Cremos na inspiração divina das palavras da Bíblia, mas também cremos que o estilo e ideias usadas pelo autor se preservam no texto. O autor original (que os mais conservadores acreditam ser Moisés, outros falam em fontes múltiplas que foram amalgamadas) transmitiu por escrito uma tradição que vinha de muito tempo antes dele, falando de como o Deus Único, foi o autor de todas as coisas, em vez de cada deus ser responsável por um aspecto do mundo. O autor original pensava sobre o mundo segundo a sua própria concepção científica, e assim, ele associava cada conceito que lhe era familiar à autoria divina. Um exemplo é o conceito de "firmamento", que era uma parede que "sustentava o céu" acima da Terra, e acima dela havia uma infinidade de água. Vou falar disto mais adiante.
Gn 1.1 Bereshit bara' 'Elohim hashamaim weha'arets. (Literalmente: no princípio criou (do nada) Deus os céus e a terra). Céus e terra referem se ao ambiente externo visto de dentro do nosso planeta, portanto o relato já começa falando do nosso planeta.
Ignore a transliteração errada do hebraico (eu simplifiquei de propósito, porque a fonte original que eu usei transliterava corretamente), mas não posso ignorar a questão sobre o significado da palavra "bara", que muitos dizem que significa "criar a partir do nada". Os melhores hebraistas de hoje em dia divergem desta posição. Não que a Bíblia negue a criação ex nihilo. Existem outros textos bíblicos que suportam a criação a partir do nada, principalmente no Novo Testamento: João 1.3; Romanos 4.17, 1 Coríntios 1.28; Hebreus 11.3, Apocalipse 4.11. Mas Gênesis 1 parece muito refletir a cosmologia que estava em voga no Oriente Médio Antigo, que Deus formou as coisas a partir de um material pré-existente. Note que nunca se fala em Gênesis de Deus criando a água. Mas a água aparece no versículo 2, como se já existisse. E dessa água é que emergem "o céu e a terra". Esta ideia aparece no NT, na 2ª carta de Pedro:

"(...) pela palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus, e a terra, que foi tirada da água e no meio da água subsiste." (2 Pedro 3.5)

Mas isto significa dizer que Gênesis (e por extensão, o próprio apóstolo Pedro) está errado? Não, se você ler da maneira correta. Gênesis 1 é um "Hino da Criação". Uma construção cultural de um povo antigo que exaltava o Deus único como Criador de toda a estrutura do mundo, de acordo com a forma como eles concebiam o mundo. A forma como eles concebiam o mundo pode estar errada, mas o objetivo do texto não era ensinar esta forma (não era um manual de cosmologia), mas sim proclamar que Deus é o Criador de toda a estrutura do mundo!

O significado que dei aqui para "céu e terra" também parece ter sido motivado por concordismo. Deve-se dar preferência ao significado original que o autor pensou, que está necessariamente ligado à forma como se concebia o mundo dentro daquele contexto histórico-geográfico. Santo Agostinho, no último livro de suas Confissões, também esboça uma espécie de "concordismo" ao associar o significado de céu e terra com os conceitos metafísicos platônicos de "forma" e "matéria". Mas no final ele conclui que apesar de ter alguma utilidade nesta especulação, a prioridade deve ser do sentido original do autor, o qual infelizmente era inacessível para Agostinho naquele tempo pela falta de referências historiográficas e arqueológicas.
Gn 1.3 E disse Deus: Haja luz, e houve luz. - Como Gn1.1 referia-se ao ponto de vista da Terra, vejamos o verso 3 do mesmo ponto. A luz tornou-se visível da terra, que antes no versículo 2 era sem forma e vazia, provavelmente escura também devido a nuvens espessas de gases e poeira na atmosfera primitiva.
Avançando mais um pouco, os versos 9-13 relatam a terceira fase criadora, o ajuntamento das águas dos oceanos em uma altitude inferior à das massas de terra seca. Isso foi causado pelo resfriamento gradual do planeta, que permitiu a condensação de água, que provocou a pressão sísmica necessária para causar os movimentos tectônicos que deram origem às montanhas de hoje em dia. Uma vez aparecendo a terra seca, tornar-se-ia possível a vida vegetal terrestre, embora não ainda pois o Sol ainda não era visível da superfície da Terra.
Na quarta fase criadora, nos versos 14-19, as nuvens espessas se dissiparam possibilitando a visibilidade do Sol e dos astros. A tradução "Deus fez o Sol, a lua e os astros" é possivelmente incorreta. A forma usada "wayya'as" pode se referir tanto ao nosso pretérito simples (Deus fez) quanto ao pretérito mais-que-perfeito (Deus fizera, Deus tinha feito), dependendo do contexto. Pelo nosso contexto é obviamente ilógico o Sol e a Lua surgirem depois da Terra, então podemos entender sem ambiguidade a qual dos tempos esse verbo se refere. Somente na quarta fase criadora os astros celestes se tornaram visíveis, e é a partir deles que surgiu a nossa medida de tempo, e nossa unidade chamada "dia", de 24 horas. Não parece adequado usar uma unidade de tempo antes que ela pudesse ser concebida, isso é mais um motivo para desacreditar a forma de ver dias de 24 horas como os dias mencionados no texto.
Os versos 20-23 mostram o desenvolvimento da vida marinha e de água doce, em concordância com a ciência atual, antes do surgimento da vida terrestre. Há um fenômeno estudado por paleontólogos conhecido como "Explosão Cambriana", um surgimento repentino de camadas geológicas de fósseis na Era Paleozóica, sem nenhum correspondente em camadas pré-cambrianas.
Os versos 24-26 relatam a sexta e última fase do processo criador, os animais terrestres.
Apesar de ser bem tentador fazer essa associação concordista entre os dias da criação e os tempos geológicos, isto deve ser evitado. Não fazia parte da intenção original do autor escrever um manual científico sobre como Deus criou tudo.

No penúltimo eu pareço deixar uma referência bem sutil e implícita à criação especial. Não lembro se era a minha intenção. Talvez eu quisesse deixar ambíguo de propósito para que o texto fosse o mais abrangente possível. Hoje em dia não faria isto.
Um último comentário deve ser dado à expressão usada no texto: “E foi tarde e manhã o n-ésimo dia". A palavra hebraica "yom" pode se referir tanto a dia como o antônimo de noite, período do nascer ao pôr-do-sol, quanto ao dia completo de 24 horas. Como estamos levando em conta que a palavra dia foi uma unidade simbólica usada no texto para relatar a revelação, o motivo do uso da expressão parece ser mostrar ao leitor que a unidade simbólica era o dia de 24 horas, e não o dia período claro. Um dia de 24 horas serve como uma figura melhor para um ciclo completo, formado por fases do que um dia como período de luz, dia claro.
Um argumento usado por alguns é que a referência no 4º mandamento dado a Moisés para se guardar o 7º dia porque Deus descansou nele sugere que os dias foram de 24 horas. Hebreus 4.1-11 sugere de uma maneira mais clara que o "7º dia" durou desde o início da humanidade até o início da Igreja, depois de Jesus Cristo. A era depois da ascensão de Cristo é chamada por Paulo de "últimos dias", em suas cartas eclesiásticas.

Por fim, o último argumento está em Gn 2.4, cuja tradução mais correta consta na KJV (King James Version): "Essas são as gerações do céu e da terra quando foram criados, no dia (yom) que o Senhor Deus fez a terra e os céus". O capítulo anterior diz claramente que foram no mínimo 6 dias, enquanto esse verso diz que foi apenas um só. Considerar o sentido literal da palavra "dia" é entrar em contradição.
Aqui novamente há argumentos interessantes contra a literalidade do termo "dia". Não deixam de ser válidos.

Só uma observação: a tradução literal de Gn 2.4 aparece também em muitas versões em português, como a Bíblia de Jerusalém e a Almeida Revista e Corrigida / Corrigida e Fiel (mas não aparece na Revista e Atualizada / Almeida Século 21).
A antiguidade da raça humana
Outra questão discutida frequentemente no ambiente científico x religioso.
Há evidências fósseis encontradas por paleoantropólogos de criaturas humanóides em épocas tão remotas quanto 1,75 milhões de anos atrás. O Homem de Neandertal, por exemplo, viveu há mais ou menos 50 mil anos, e tinha a capacidade de fabricar ferramentas de pedra como machadinhas e pontas de seta, e de utilizar fogo para cozer alimentos.
As informações aqui estão apenas um pouco imprecisas. As evidências para a diferenciação do gênero Homo apontam para entre 3,2 a 2,5 milhões de anos atrás. O Homo neanderthalensis viveu entre 400.000 a 28.000 anos atrás.
Há uma questão considerada polêmica por alguns, sobre o método de datação utilizado, baseada na decomposição isotópica. As premissas no quais ele é baseado podem não ser 100% válidas, e alguns achados desafiam a autenticidade do método. Um galho de árvore, encontrado numa camada geológica na década de 70 no Texas, foi datado de aproximadamente 13 mil anos atrás. Próximo a esse galho há uma pegada humana, e a não menos que 3 metros abaixo no solo, uma pegada de tiranossauro rex e brontossauro. O achado está publicado no Biblie-Science Newslleter de abril de 1979. Evidências como esta nos colocam a pensar nas nossas atuais teorias de eras geológicas ou na autenticidade da datação isotópica.
Na verdade as únicas pessoas que questionam os métodos de datação isotópica são criacionistas da Terra Jovem. E os argumentos são bem rasos. Eles perdem totalmente a força com o fato de que muitas vezes a idade de objetos antigos é confirmada por outros métodos independentes. Quanto a essa história contada acima, provavelmente eu a reproduzi da fonte na qual estava baseando o meu texto (não lembro se eu já mencionei, mas foi a Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas de Gleason L. Archer), mas não parece ser uma fonte muito confiável, porque tem viés concordista / Terra Jovem. Mesmo que o relato seja legítimo, pode ser que haja uma explicação coerente com o consenso científico. Os criacionistas literalistas podem tender a pensar que os cientistas escondem evidências contrárias das suas teorias, mas esta visão é muito equivocada. Mesmo que um cientista em particular faça isto, é muito fácil que outro cientista descubra a mesma coisa e publique. Não há nada mais atrativo para um cientista do que derrubar uma teoria importante e provar algo novo. Eu mesmo, como cientista, hoje sei disto. A competitividade é muito grande no meio científico. Se uma evidência fóssil como a mencionada acima fosse descoberta, se faria um grande escândalo por isto e muita coisa teria sido revista no conhecimento científico. Mas como sabemos que não foi, muito provavelmente esta evidência ou é falsa ou pode ser conciliada de outra forma com o que sabemos atualmente.
Deixando um pouco de lado a questão da confiabilidade da datação, a questão é que segundo os dados estatísticos relatados em Gênesis 5, o surgimento de Adão deve ter sido por volta de 4000-5000 a.C., e considerando as prováveis omissões genealógicas, é possível que a data se estenda para próximo dos 10 000 a.C.. Portanto, todos os fósseis encontrados são de épocas muito anteriores, ou seja, são "espécimes pré-adâmicos".
Esta questão das genealogias é muito complicada. É praticamente certo que há omissões na linha genealógica, e nos casos mais antigos pode inclusive estar se falando de povoados ou clãs, em vez de pessoas individuais. A data de 10.000 a.C. converge aproximadamente com a transição do período paleolítico para o neolítico, o início da agricultura, dentre outras coisas. Não sabemos ainda hoje em dia se esta coincidência tem alguma relevância, devemos ser cautelosos em fazer conciliações aqui.
Examinando cuidadosamente o texto bíblico, somos levados a pensar através de Gn 2.7 que Deus, ao criar os primeiros humanos de verdade, soprou neles algo de seu próprio espírito, de forma peculiar ao que fora feito aos outros animais. Essa "imagem" divina não deve ser algo fisiológico, visto que Deus é imaterial. Seria portanto a nossa alma (heb. nephesh) e espírito (heb. ruaH)
Este trecho é super importante, e talvez eu colocaria como o que separa os evolucionistas naturalistas dos cristãos que aceitam a evolução. Como cristãos, cremos que o ser humano não é uma criatura como as outras, mas possui algo diferente. Este algo é referido como a Imago Dei ou imagem de Deus. Pode ser que a alma ou mente humana, que não pode ser reduzida ao cérebro material, seja este componente. Em algum momento da evolução deve ter havido esta transição, que pode ter ocorrido de maneira sobrenatural (uma "singularidade", análoga ao Big Bang) ou natural, apelando para o conceito de emergência (provavelmente poucos de vocês conhecem este assunto, mas não dá tempo de explicar agora). Não sabemos ainda como isto aconteceu, e nem sei se um dia saberemos.

Observação: os hebreus antigos não necessariamente viam a alma ("nephesh") como uma parte imaterial da constituição humana, que sobrevive após à morte. Este conceito vem da metafísica grega (o que não quer dizer que está necessariamente errado).
Existem espécies de gorilas e outros primatas que são capazes de usar ferramentas para conseguir alimento, demonstrar afeto e "guerrear" entre famílias vizinhas, mas a capacidade de abstrair conceitos morais, religiosos, matemáticos, artísticos, entre outros não se têm observado em nenhuma espécies animal senão o homem moderno.
Estou assumindo aqui o não-reducionismo: a mente humana não é um mero computador, não pode ser explicada meramente por sinapses e conexões materiais. A mente é imaterial, e devemos aceitar isto por mais científicos que sejamos, afinal, este assunto chega próximo dos limites do alcance do método científico, e invade o campo da Filosofia da mente.
O pecado Original
"Na perspectiva psicanalista foi sugerido que o pecado mencionado no Gênesis teria sido o ato sexual, explicação anteriormente já mencionada por Agostinho. Esta explicação não encontra, contudo, raízes nas tradições judaicas pré-cristãs, em que a união carnal entre o homem e a mulher foi estabelecida por Deus. Mas se o pecado original fosse o ato sexual, Deus mesmo teria levado o homem ao pecado, quando ordenou, crescei, multiplicai e enchei a terra.
Uma das explicações "antropológicas" (não se entrando em desacordo com o texto) é entender a narrativa no contexto de que o livro sagrado pretende a apresentar uma explicação ou uma construção explicativa das origens do universo, do nosso mundo, da humanidade, da civilização em geral e da hebraica em particular, e por fim, do bem e do mal. Até ter o conhecimento do bem e do mal o homem vivia num "estado de natureza", em oposição a um "estado de cultura", explicação essa totalmente compatível com o evolucionismo darwinista e a evolução das espécies. O conhecimento do bem e do mal seria o divisor de águas, seria a maneira de reconhecer-se humano, com valores, crenças e objetivos, ou seja, a transição do animal para o hominal, como definiu o antropólogo Teilhard de Chardin, que era padre católico. Aí o homem se envergonhou da nudez, tomou consciência da morte e da mortalidade, de que todo seu corpo veio da terra, à qual deverá tornar, e passou a trabalhar e acumular, "suando sob o sol". O texto ainda lança uma espécie de enigma de transcendência: a árvore da vida eterna com seu fruto, impedida ao homem (ao menos por momento), pelas espadas flamejantes de querubins. Não se trata, evidentemente, de frutas nem árvores, mas de um texto espiritual cujo significado vem desafiando a humanidade ao longo dos milênios." Wikipédia, a Enciclopédia livre.
Nesta parte do texto eu comecei a destoar um pouco. Pecado original é um tema importante para a interpretação do Gênesis, mas que eu poderia ter deixado de lado. Eu refutei a posição psicanalítica, mas pareço tolerar a visão antropológica. Esta visão sutilmente elimina o conceito de pecado e culpabilidade, e a substitui pela própria aquirição da responsabilidade moral! E para piorar, não escrevi absolutamente nada sobre como é importante teologicamente manter o conceito de um teste moral que falhou, dando origem ao pecado e à queda do homem. É menos importante considerar quando, como e com quem isto se deu, mas o acontecimento em si é essencial. Eu copiei em parte o artigo do Wikipédia sobre "Pecado Original" (sempre fui um entusiasta do Wikipédia, a despeito do que falam sobre ser uma fonte ruim), mas também há uma seção no livro do Gleason Archer sobre isso.
Essa explanação a seguir é uma pretensa descrição da minha humilde opinião sobre o assunto: "Por que Deus permitiu o mal?" ou "Se Deus sabia que o homem ia pecar, porque aplicou o tal castigo?" Pela perspectiva antropológica o pecado original é como o desenvolvimento final da consciência humana. Talvez isso queira dizer que o homem nasceu pré-programado pra errar, ou pelo menos que esse erro fosse necessário para o desenvolvimento da consciência humana.
Uma das características mais humanas é a capacidade de aprender com os erros. Errar é a melhor forma de aprender o que é verdadeiramente correto e não cometer mais erros. às vezes, o mal é necessário para que tenhamos a consciência de que precisamos tomar atitude, em vez de ficar numa posição de estagnação. Conviver todos os dias ao lado do certo e do errado e ter a capacidade de escolher entre eles é outra das características morais do homem que eu acho fascinante. Sem o pecado original, nunca passaríamos por isso.
É claro que isso não justifica as fomes, guerras e outros males que assolam nosso planeta, e nem acho que devamos culpar a Deus a essas coisas, pois mesmo Ele tendo nos criado imperfeitos, nos deu a capacidade de escolher entre o certo e o errado.
Aqui eu fugi do tema de novo. Não sei por que, achei que seria bom falar sobre "Problema do Mal" a esta altura. Um assunto bem complexo e sobre o qual não estava preparado ainda para falar na época. Esse trecho está tão controverso que vou pedir que simplesmente o desconsiderem e o "desvejam".
Outras visões e objeções quanto à interpretação tardia
Preciso dizer que realmente há cristãos que defendam tanto a minha visão quanto o extremo contrário (Gênesis é literal e a terra possui menos de 10 mil anos). Um dos apologistas do Criacionismo da Terra Jovem mais conhecido atualmente é o físico brasileiro Adauto Lourenço, que fez várias palestras sobre o assunto e escreveu um livro, que divulguei aqui. O importante a ser dito é que ele não se baseia simplesmente em evidências bíblicas, mas segue um discurso apoiado em evidências e método científico. Por isso, não sou capaz de reprová-lo em sua visão. Os cientistas possuem o dever de investigar as evidências e procurar a verdade, sem preconceitos. Outros cientistas possuem visões semelhantes, como o americano Walter Brown, que propôs a teoria das hidroplacas como explicação para o dilúvio e a invalidez dos métodos de datação radiológica. Eu só acho que isso não deveria ser ignorado, se uma teoria foi proposta esta deve ser investigada, inclusive pelos cientistas evolucionistas. Outro defensor da terra jovem  é o químico também brasileiro (e o qual tive a honra de conhecer) Marcos Eberlin.
Esta seção é um adendo que algum tempo depois, já tendo lido mais sobre o assunto. Engraçado que eu chamo a visão criacionista da Terra jovem de o "extremo oposto" da visão que eu tinha na época. Talvez eu possa dizer isto hoje em dia (que estou mais alinhado com o criacionismo evolutivo), mas na época não. Mas eu estava me referindo mesmo apenas à literalidade dos primeiros capítulos de Gênesis, e não sobre o quadro geral das origens.

Eu apresentei a visão criacionista literal aqui como se fosse respeitável. Hoje em dia não faria isto. Eu acredito que ela é uma visão tolerável no meio cristão, principalmente porque há muitos cristãos sem conhecimentos profundos em teologia bíblica e ciências naturais, que aderem a essa posição por mera tradição recebida. Mas não digo mais que é respeitável porque ela se baseia em modos inadequados e incoerentes de ler tanto o Livro da Revelação quanto o Livro da Natureza.

Eu disse ter a honra de ter conhecido o Marcos Eberlin, mas a honra não é exatamente por ele ser criacionista da Terra Jovem (e também defensor ferrenho do Design Inteligente), mas sim por ser um dos únicos apologistas cristãos e cientistas brasileiros que haviam na época (hoje em dia, graças a Deus, há bem mais), e também por ele ser um químico com um currículo invejável, sendo a Química também a minha área de estudo. Na verdade, eu não sei se a palavra mais adequada é "conhecer" pessoalmente, o que aconteceu foi que eu fui num congresso de Teologia e ele estava lá para dar uma palestra. Eu até tentei falar com ele depois da palestra, mas o grande número de pessoas o interpelando me impediu de fazer isso.
Agora, apresentando o lado contrário, há cristãos que consideram o relato de Gênesis como não-literal, pelos mesmos motivos que expliquei acima, baseado no estilo literário hebraico, tirando a Bíblia da responsabilidade de ditar qualquer fato científico. Um companheiro do blog "Quebrando o encanto do neo-ateísmo" também apresenta uma exposição do assunto. Ele faz a colocação [muito bem lembrada] de que esta posição não é uma simples adaptação da cultura cristã às evidências atuais, mas que cristãos tão antigos quanto Orígenes (185-253) ou Santo Agostinho (354-430) tinham posições sobre o assunto no mínimo equivalentes.
É até um pouco triste ver o tipo de referência disponível na época sobre criacionismo evolucionário. Praticamente a única coisa em português na internet sobre isso era este blog, sendo que o autor nem era cristão (na verdade há uma história polêmica sobre a identidade do autor, mas isto não vem ao caso). Hoje em dia o tema é muito mais difundido, em grande parte devido ao trabalho recente da ABC².
Alguns costumam refutar minha argumentação a respeito da interpretação não-literal do mito da criação dizendo que isto é simplesmente uma tentativa de adequar à Bíblia às descobertas recentes da ciência. Bem, os argumentos propostos acima foram dados independentemente das descobertas da ciência. Além disso, uma interpretação como esta já existia desde tão antigamente quanto os primeiros séculos depois de Cristo, com Santo Agostinho.
Mas o próprio Agostinho chamava a atenção para o fato de defender ardentemente certas interpretações particulares  a respeito da Bíblia, já que descobertas futuras poderiam ir contra estas interpretações (mas não necessariamente contra o texto original, como mostrei acima). Nas palavras dele:
"Em assuntos que são tão obscuros e muito além da nossa visão, nós encontramos na Sagrada Escritura passagens que podem ser interpretadas de formas bastante diferentes sem prejudicar a fé que recebemos. Nesses casos, nós não devemos partir precipitadamente e tão firmemente tomar posição em um lado que, se o progresso posterior na busca pela verdade com justiça prejudicar, nós também caímos com ela. Isso seria lutar não pelos ensinos da Sagrada Escritura, mas por nós mesmos, esperando que ensinos dela se conformem aos nossos (...)."
Foi muito bom terminar o texto com esta citação. Ela é importantíssima. Acrescento apenas a fonte, é do Comentário ao Gênesis (De Genese ad litteram) livro XVIII, 37.
Espero ter acrescentado mais ao conhecimento dos leitores.
Abraços, Paz de Cristo
Espero ter feito a mesmíssima coisa, agora novamente.

Abraços, Paz de Cristo!

3 comentários :

  1. Olá David, acho que seria interessante antes de vc se declarar oficialmente um evolucionista teista dar uma olhada nas matérias do site abaixo especialmente as que falam sobre datacoes e suas tantas discrepâncias evidenciadas.
    abs.
    https://darwinismo.wordpress.com/

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  2. O Espirito é essência virtual, que tem o potencial de causar, sendo imanente, imaterial, intagível, anaferível e infinito por esta livre da realidade ou o Espaço-tempo. Utilizando as inspirações aos humanos da época , na Bíblia esta escrito( JOÃO 1: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus), traduzindo como verbo e a palavra contêm as noções de ação, processo ou estado, isto quer dizer que Ele é a origem imaterial da matéria, realidade física. Na cultura chinesa o QI ou ch'i é a energia primordial que dá origem à matéria, é a energia quântica que sustenta a matéria, o "sopro do céu". Ele existe fora da matéria, como energia primordial, e também se manifesta através da matéria, mais é diferente da energia como conhecemos.E causou a inspiração nos homens através dos tempos para colocar seu nome de respeito e poder, sua personificação, DEUS.Como Ele é espirito, não possue corpo e nem mãos físicas, então no meu entendimento, originou o o Universo do nada, o big bang, e talvez outros Universos, e semeou de vários planetas para servirem de teste para a origem da vida, e no planeta Terra ou mais, surgir vida e através da evolução foi criando, não com mãos porque Ele é espirito, foi moldando seres, e passa a passo, naturalmente um ser inteligente, para lhe fazer companhia, porque os outros eram irracionais. Cheguei a esta conclusão depois de analisar, a religão foia maneira simples da época para dizer que Deus fez na visão dos humanos da época, limitada pelo pouco conhecimento e a ciência descobriu alguns dos mistérios de Deus, mais não consegue provar que Ele existe por ser inaferível.

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    1. A origem do MAL/BEM
      Gênesis é de conceito moral e afirmando de Deus criou, mais numa narrativa de sentido simples e figurado, em um pensamento mistico da época. Deus é a natureza de tudo, então criou seres concientes para lhe fazerem companhia, por serem inteligentes, semelhante a Ele, para comteplar sua criação e ao mesmo tempo se autocontemplar.A parábola da árvore da ciência do bem e do mal, é o momento que os seres humanos deixam de serem inocentes, terem consciência, começarem a pensar, ou o fruto do conhecimento. A inteligência ou livre-arbítrio foi dada como liberdade de pensamento, de escolha, mais seu efeito colateral e a criação do mal, porque seres conscientes começam a questionar, a viverem de acordo com sua consciência.Esta liberdade de julgar é também seu efeito colateral, porque não somos mais inocentes, o que fazemos é por consciência, podemos sermos julgados por nossos erros. Como somos seres materiais a maioria so macredita no que se prova através da materia, céticos, consequentemente se afastando do espirito, que não se consegue provar. Com isto Satanás que faz parte indiretamente dos planos divinos se tornou responsável pela administração do mal, e tenta, ou coloca a prova os seres através de suas fraquezas para demostarem que consegue vencer as tentações ou são fracos. Deus não queria robôs que só obedecem, sem senso, mesmo sabendo do efeito colateral do livre-arbitrio, os humanos que conseguissem vencer as tentações carnais,seriam por escolha e merecimento. Jesus foi enviado porque os seres não estavam conseguindo psssar pela prova de Satanás, então veio para sofrer e resistir as tentações, como prova de que os seres humanos mereciam salvação. E é Ele o intermediario entre Deus e os Homens.

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